terça-feira, 7 de janeiro de 2025

"Prêmio Nauã Marley de Literatura"


Hoje, dia 6 de janeiro, Dia de Reis, estava passeando no Shopping RioMar Kennedy com meu filho Saulo, quando me deparei com um rapaz de 20 anos, estudante de Engenharia de Produção da UFC, que me revelou ser um leitor. Era o Nauã.

Bastante tímido, estava com pressa e eu tive até que segurá-lo, pois devido ao seu nervosismo queria desaparecer dali.

À madrugadinha, trabalhando, consultei a minha caixa de e-mail e ele me escreveu, olha só, e botou para fora muito do que ele poderia ter dito para mim... mas escreveu, me emocionando com sua história e confirmando a certeza de o encontro com o(a) leitor(a) é SEMPRE o maior prêmio que um autor pode receber.

Assim, aqui publico, para não mais esquecer ou perder, o manifesto do então amigo NAUÃ MARLEY:

 

Prezado Raymundo,

 

Sou aquele que te cumprimentou esta tarde, no shopping.

Eu estava nervoso, como você deve ter percebido, e temia incomodá-lo. Na verdade, só quando cheguei à rua foi que me lembrei de lhe pedir uma foto e um autógrafo — mas já era tarde demais.

Enfim, havia uma biblioteca muito pobre na minha antiga escola — um colégio privado, de bairro, onde cursei o fundamental — cheia de enciclopédias velhas e mofadas. Havia também uma pequena estante ao fundo, com algumas surpresas: Machado de Assis, Lygia Fagundes Telles e o seu Crônicas Absurdas de Segunda. Foram as minhas primeiras descobertas, de quando eu estava aprendendo a gostar de ler.

O seu livro ficou sendo o meu favorito, o meu primeiro livro de cabeceira. E devo agradecê-lo, pois acredito que, com ele, eu tenha sido influenciado a olhar o mundo com novos olhos — durante muito tempo, guiado pelos nomes das ruas em suas crônicas, peregrinei por Fortaleza, fotografando de forma amadora — até acabar o encanto.

E mesmo muito tempo depois, durante o Ensino Médio numa escola pública, alguma coisa restou impregnada. Fui presidente do Grêmio e com muito gosto o inimigo número um dos gestores do colégio.

Brincando de ser Demócrito Rocha, editei um jornal e uma revista — modéstia à parte, de forma muito competente, muito mais competente do que a imensa maioria daqueles jornaizinhos bobos feitos por alunos bobocas.

O jornal era conservador (ou irônico) e se chamava Correio Gremista, mas a revista era liberal e safada, e tinha um nome impactante: chamava-se revista Marginal e eu sabia muito bem o que estava fazendo com aquele título grosseiro. Muito além do sentido popular, “marginal” se referia àquilo que ficava à margem da nossa grade curricular. Éramos disciplinados a pedir a benção a Mário e Oswald de Andrade (você já leu Metrópole à Beira Mar, do Ruy Castro?), mas nem um piu era dado sobre o contista Moreira Campos e o poeta Gerardo Mello Mourão, cearenses como eu e você, e esmagadoramente maiores do que os paulistas. 

Bem, era isso que eu devia ter lhe dito, embora mais uma vez a timidez tenha me tomado a palavra. E mesmo que eu fosse sério e respeitado pela Direção da escola, porque a respeitava, havia em mim um espírito gaiato proporcionado pela leitura dos livros e que me permitiu fazer muitas coisas importantes naquela época. Mas isso já passou, foi há dois ou três anos, quando me formei no Ensino Médio e a adolescência ficou para trás.
Hoje sou estudante de Engenharia de Produção na UFC, perdidamente apaixonado por Lygia Fagundes Telles e Gerardo Mello Mourão, que em breve completará 108 anos, Lygia fará 106 em abril e eu farei 20 em julho.

Por Gerardo tenho cultivado um perfil minúsculo no Twitter que dispara versos de poemas em horas marcadas e escrito a deputados, a ministros, e até ao presidente da República para que algo seja feito em sua memória. E agora tenho a honra de escrever a você, primeiro agradecendo por tudo e depois pedindo que você também interceda por Gerardo — quem sabe por meio do jornal O POVO?

Ah! Eu já ia me esquecendo. A escola em que cursei o Ensino Médio, uma escola profissionalizante, se chamava, veja só, Dona Creusa do Carmo Rocha, na avenida Sargento Hermínio, hoje demolida para dar espaço a outra maior e mais moderna, de mesmo nome.

Enfim, um grande abraço! E um feliz ano novo! Foi uma grata surpresa encontrá-lo logo no começo de 2025. E me desculpe se escrevi demais, é que eu fico mais à vontade por escrito. (Li outros livros seus, além do Crônicas... E sim, visitei o seu blog. Vou comprar o novo livro agora que não preciso “roubá-los”).

 

Nauã Marley


 

domingo, 5 de janeiro de 2025

"O Povo é quem Diz...", de Raymundo Netto para O POVO

 


A Turma da Maracajá, tendo ao centro o escritor Raul Bopp (1931)


No dia 7 de janeiro é celebrado o Dia do Leitor. E essa data foi escolhida em referência a um(a) leitor(a) muito especial, o(a) leitor(a) do jornal O POVO, pois trata-se da data de fundação do jornal mais antigo em exercício no Ceará.

Há 97 anos, em um sobradinho na praça dos Leões – General Tibúrcio, 158 –, o telegrafista, dentista, professor e jornalista Demócrito Rocha, ao lado de sua mecenas Adalgisa Cordeiro e de uma grande turma de amigos(as) e colaboradores(as), como Tancredo Morais, Adília de Albuquerque Morais, Suzana de Alencar Guimarães, Rachel de Queiroz (Rita de Queluz), Paulo Sarasate, Filgueiras Lima, Jáder de Carvalho, Beni Carvalho, Otávio Lobo, entre tantos outros, iniciaria uma história longeva que mudaria o Jornalismo feito no estado do Ceará.

Nos planos de Demócrito, o seu jornal viria à luz em 5 de janeiro, aniversário de Albanisa, sua primeira filha, na época uma menininha de 12 anos. Mas o tempo, sempre muito vaidoso, encarregou-se de escolher uma data exclusiva.

Naquele sábado à tarde, na praça dos Leões, com bancos e meio-fio tomados por ansiosos e pequenos gazeteiros, uma campainha estridente anunciava o jornal que saía quentinho da velha impressora “Alauzet” de segunda mão.

À porta, o mestre Louro a limpar as mãos ainda sujas da graxa da máquina soluçante recebia uma tapinha nas costas de um envaidecido Demócrito, a trazer à luz solar e à brisa da praia de Iracema o primeiro número daquele impresso de 16 páginas, cujo título soaria para ele como uma canção ao mesmo tempo de amor e de guerra: O POVO!

Como vizinhos, o Palácio da Luz e a igreja do Rosário, sedes de outros poderes, viam com certa hesitação o surgimento daquela “criança”, pois o seu “pai” há poucos meses havia sido vítima de uma emboscada enredada pelo próprio governador e executada com capricho por 12 policiais na praça ao lado, a do Ferreira, o eterno coração da cidade e palco fundamental da história e da passagem do baiano Demócrito por Fortaleza. Mexeram com ele, um homem valente, e desde então armado, mas por conta disso e devido a problemas que acreditava ter causado ao jornal O Ceará, no qual trabalhava anteriormente, precisava ele de uma tribuna onde pudesse dizer o que quisesse, sem temer a hostilidades de quem quer que fosse: “O povo precisa de mais gritos que o estimulem, de mais vozes que lhe falem ao sentimento. Eis por que surgimos...” (editorial da primeira edição de O POVO).

No ano seguinte, 1929, criaria como suplemento literário do jornal a revista Maracajá, órgão modernista cearense encabeçado por Demócrito e que promoveria os modernistas cearenses para todo o país, sendo a redação de O POVO a sede da corrente no Ceará – a “Tribu Cearense da Antropofagia”.

Quando da criação do jornal, Demócrito teria 40 anos incompletos, mas desde a publicação da revista Ceará Illustrado (1924-1925) e durante o seu exercício como diretor literário em O Ceará (1925-1927), era cercado por jovens adolescentes, rapazes e moças, que iniciou no Jornalismo e na Literatura, duas de suas grandes paixões. Assim, receberia anos mais tarde, na fileira de seus repórteres, o futuro jurista Paulo Bonavides, ainda em bermudas, após uma seleção. Aliás, podemos afirmar que os grandes nomes do Jornalismo, das Artes, da Cultura, da Política cearense, em algum momento de sua vida, passaram pelos corredores do O POVO, assim como sabemos de muitos que aprenderam a ler por meio do jornal ou que trazem lembranças de pais e avós em serões familiares, nos quais o jornal reuniria e contaria do mundo àquelas famílias.

97 anos e O POVO continua a sua atuação de fiscalizar os poderes públicos na defesa dos interesses da população e em prol da cidadania, na busca do equilíbrio político e no fortalecimento das instituições e liberdades democráticas.

O povo é quem diz: jornal é O POVO!