Hoje,
dia 6 de janeiro, Dia de Reis, estava passeando no Shopping RioMar Kennedy com
meu filho Saulo, quando me deparei com um rapaz de 20 anos, estudante de
Engenharia de Produção da UFC, que me revelou ser um leitor. Era o Nauã.
Bastante
tímido, estava com pressa e eu tive até que segurá-lo, pois devido ao seu
nervosismo queria desaparecer dali.
À madrugadinha, trabalhando, consultei a minha caixa de e-mail e ele me escreveu, olha só, e
botou para fora muito do que ele poderia ter dito para mim... mas escreveu, me
emocionando com sua história e confirmando a certeza de o encontro com o(a)
leitor(a) é SEMPRE o maior prêmio que um autor pode receber.
Assim,
aqui publico, para não mais esquecer ou perder, o manifesto do então amigo NAUÃ
MARLEY:
Prezado
Raymundo,
Sou
aquele que te cumprimentou esta tarde, no shopping.
Eu
estava nervoso, como você deve ter percebido, e temia incomodá-lo. Na verdade,
só quando cheguei à rua foi que me lembrei de lhe pedir uma foto e um autógrafo
— mas já era tarde demais.
Enfim,
havia uma biblioteca muito pobre na minha antiga escola — um colégio privado,
de bairro, onde cursei o fundamental — cheia de enciclopédias velhas e mofadas.
Havia também uma pequena estante ao fundo, com algumas surpresas: Machado de
Assis, Lygia Fagundes Telles e o seu Crônicas Absurdas de Segunda. Foram
as minhas primeiras descobertas, de quando eu estava aprendendo a gostar de
ler.
O
seu livro ficou sendo o meu favorito, o meu primeiro livro de cabeceira. E devo
agradecê-lo, pois acredito que, com ele, eu tenha sido influenciado a olhar o
mundo com novos olhos — durante muito tempo, guiado pelos nomes das ruas em
suas crônicas, peregrinei por Fortaleza, fotografando de forma amadora — até
acabar o encanto.
E
mesmo muito tempo depois, durante o Ensino Médio numa escola pública, alguma
coisa restou impregnada. Fui presidente do Grêmio e com muito gosto o inimigo
número um dos gestores do colégio.
Brincando
de ser Demócrito Rocha, editei um jornal e uma revista — modéstia à parte, de
forma muito competente, muito mais competente do que a imensa maioria daqueles
jornaizinhos bobos feitos por alunos bobocas.
O
jornal era conservador (ou irônico) e se chamava Correio Gremista, mas a
revista era liberal e safada, e tinha um nome impactante: chamava-se revista Marginal
e eu sabia muito bem o que estava fazendo com aquele título grosseiro. Muito
além do sentido popular, “marginal” se referia àquilo que ficava à margem da
nossa grade curricular. Éramos disciplinados a pedir a benção a Mário e Oswald
de Andrade (você já leu Metrópole à Beira Mar, do Ruy Castro?), mas nem
um piu era dado sobre o contista Moreira Campos e o poeta Gerardo Mello Mourão,
cearenses como eu e você, e esmagadoramente maiores do que os paulistas.
Bem,
era isso que eu devia ter lhe dito, embora mais uma vez a timidez tenha me
tomado a palavra. E mesmo que eu fosse sério e respeitado pela Direção da
escola, porque a respeitava, havia em mim um espírito gaiato proporcionado pela
leitura dos livros e que me permitiu fazer muitas coisas importantes naquela
época. Mas isso já passou, foi há dois ou três anos, quando me formei no Ensino
Médio e a adolescência ficou para trás.
Hoje sou estudante de Engenharia de Produção na UFC, perdidamente apaixonado
por Lygia Fagundes Telles e Gerardo Mello Mourão, que em breve completará 108
anos, Lygia fará 106 em abril e eu farei 20 em julho.
Por
Gerardo tenho cultivado um perfil minúsculo no Twitter que dispara versos de
poemas em horas marcadas e escrito a deputados, a ministros, e até ao
presidente da República para que algo seja feito em sua memória. E agora tenho
a honra de escrever a você, primeiro agradecendo por tudo e depois pedindo que
você também interceda por Gerardo — quem sabe por meio do jornal O POVO?
Ah!
Eu já ia me esquecendo. A escola em que cursei o Ensino Médio, uma escola
profissionalizante, se chamava, veja só, Dona Creusa do Carmo Rocha, na
avenida Sargento Hermínio, hoje demolida para dar espaço a outra maior e mais
moderna, de mesmo nome.
Enfim,
um grande abraço! E um feliz ano novo! Foi uma grata surpresa encontrá-lo logo
no começo de 2025. E me desculpe se escrevi demais, é que eu fico mais à
vontade por escrito. (Li outros livros seus, além do Crônicas... E sim,
visitei o seu blog. Vou comprar o novo livro agora que não preciso “roubá-los”).
Nauã
Marley