– Pelamordedeus, não fale em política, não fale!
Rosa parecia absolutamente transtornada
ao convidar o namorado Vladimir para um jantar com seu pai, o velho Giuseppe:
“Ele não é má pessoa, mas tem umas ideias...”
Vladimir a abraçou ternamente. Era da
paz, boa gente como dizem, e a tranquilizava: “De boas, meu amor, acalme-se,
vai dar tudo certo. Vou adorar o seu pai. Eu não te amo?”
Na marcada noite, Vladimir chegou
pontualmente com um buquê de margaridas, sendo recebido por Rosa a manifestar
um sorriso tão aflito, que ele não conseguiu esconder: “Você nunca trouxe outro
namorado aqui antes, não é?”
Imediatamente por trás dela viria um alegre
e gordo pai, seguido pelo irmão Benito, os quatro se apertando na soleira da
porta: “Pode chiamarmi Pepe, figlio mio”, e questionou, “Vladimir é russo, non?”
Abraçando-o, Pepe o conduziu pelo estreito corredor, deixando para trás Rosa a
ralhar com o curioso e metido irmão.
“La mia casa, tua casa”, dizia Pepe,
apresentando a sala de estar, que tinha, em lugar de destaque, um poster imenso
de Benito Mussolini: “Nostro grande Duce Mussoliniani!”
Vladimir apenas sorria, intimidado e
bastante comprimido pelo largo e forte abraço do velho que logo o levou à mesa
de jantar, empurrou-o em uma cadeira e bradou pela Rosa: “Amore mio, viene
qui!”
Rosa e Benito correram para a cozinha e
passaram a preencher a toalha xadrez da mesa com diversos pratos com massas, molhos
e cálices de vinho. No centro dela, uma garrafa verde encimada por uma vela que
se derretia pelo gargalo. Os guardanapos eram verdes, brancos e vermelhos, numa
clara alusão à bandeira italiana: “Sono um nazionalista. O país é la nostra
famiglia, e Dio acima de tutto.” Ali, sem se perceber, Vladimir propôs: “Só nos
falta dançar a Tarantella”. Um minuto de silêncio se fez. Rosa engasgou a seco
e Benito olhou para o pai. Pepe, por instantes pensativo, se pôs a gargalhar:
“Já gostei do ragazzo, já gostei”, tapeando forte nas costas do descarnado
Vladimir a tossir, enquanto Pepe colocava um disco com obras de Verdi, Puccini
e Vivaldi: “Questas músicas sono divini...”
Sentando à mesa, enfiou o garfo em seu
primo piatto, e com suposto desinteresse, perguntou: “O que acha della
democrazia?” Vladimir, surpreso, cuspiu vinho na mesa, Benito olhou fixamente
para Vladimir e Rosa correu para cozinha para trazer mais guardanapos.
“É um regime para os piccolos”, afirmou
Pepe. “La gente non está preparada para decidir. O presidente, este si, tem que
ser forte, severo, para comandar la nazione.”
Vladimir assentia com a cabeça,
mantendo a boca fechada a garfadas de espaguete, incomodado com o olhar fixo,
assimétrico e quase demente de Benito à sua frente: “Por que a Rosa nunca me
falou desse irmão?”, pensava.
Percebeu a namorada quase a não parar
na cadeira, sempre encontrando um motivo para ir à cozinha, ao banheiro, e
sempre voltando com os olhos úmidos, perceptivelmente constrangida. De repente,
o Pepe deu um murro na mesa e os talheres quase chegaram ao teto: “TORTURA!”,
gritou, “Chi non ama la própria Pátria merece la tortura!” Daí, pôs a mão no
peito e cerrou os olhos com firmeza: “L’Italia è il paese più bello del mondo, su questo
non ci piove!” Abriu os olhos, suspirou docemente, pegou a mão de Vladimir, apertando-a
bastante, e sorriu: “Sono un progressista, figlio. Defendo la liberdade, graças
a Dio.” E voltou os olhos cúmplices – assim como todos nós – para o Mussolini
na parede, reverenciando-o. Depois, olhou com uma ruga na testa para o calado Vladimir
e, trazendo três pequenos depósitos com molhos, perguntou: “Quale preferisci?”
Sem saber que molhos eram aqueles, mas sem querer fazer desfeita, respondeu: “Hummm...
O vermelho.”
Giuseppe,
apoplético, levantou-se e puxou a toalha da mesa, derrubando tudo no chão:
“Comunista! Diavolo! Vagabondo! Vai fuori da casa mia, ingrato!”
Rosa correu
aos prantos para o seu quarto, enquanto Benito continuava com olhar fixo em
Vladimir que, de supetão, arrancou o guardanapo vermelho da gola da camisa e
respondeu: “O senhor é que é um maluco fascista... FASCISTA!”
E sem se
despedir nem de Rosa, saiu em desabalada carreira, não antes de virar o quadro
de Mussolini de cabeça para baixo, ao som das risadas patéticas de Benito.
Que belo quadro... o de Mussolini de cabeça para baixo, Duce Raymundo!Lembra o polegar de algum imperador romano voltado para baixo, determinando a sentença capital de algum pobre coitado. É a sorte de ( toda ) Rosa ( viver sob a tortura do desamor ) expressa na risada do Benito dentro do quadro da história ( pendurado na parede da memória ).
ResponderExcluirPois é. Mussolini quando foi executado, não apenas ele, mas seus companheiros(as), foi deixado a céu aberto, como exemplo, o corpo amarrado pelos pés a balançar de cabeça para baixo. Com certeza, o Vladimir sabia disso.
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