Pereira gastava muito
dinheiro com dermatologistas.
Há tempos, inexplicavelmente, assistia à sua
pele engrossar, descamar, tornar-se áspera e grudenta. O porquê daquilo ninguém
sabia. Enquanto isso, o homem mais parecia um gato de tanto se lamber e se
esfregar com pomadas, cremes, loções e sabonetes por horas intermináveis, e
nada resolvia aquela aparente tragédia doméstica. Para piorar, em uma noite
sinistra, não conseguiu dormir. Uma coceira profunda tomava-lhe o corpo e o
juízo. Na manhã seguinte, ainda torpe, ao confrontar o espelho... Bufo: havia
virado um sapo!
Naquele momento, sentiu-se aliviado, pois temia
ser algo mais sério. Afinal, a coceira passou e o mistério estava ali
resolvido. Retirou o pijama e, ainda diante do espelho, admirava-se. Pensou:
“Gosto do verde...” Foi quando sentiu uma sede danada e correu para debaixo do
chuveiro, onde se postou de cócoras por prolongado tempo.
Após o banho, tentou vestir-se para ir ao
trabalho, mas sentindo-se sufocado colocou apenas a gravata e o chapeuzinho,
saltando apressado para tomar a sua habitual condução.
Nem é preciso dizer o quanto o coitado penou.
Não é fácil enfrentar as extensas filas, o empurra-empurra e a multidão que
entope os transportes urbanos. Com sua estatura e aquelas patas não conseguia
se segurar em canto nenhum. Apenas por um milagre não foi pisoteado no bonde
pelo populacho insensível às suas debilidades.
No escritório não seria diferente. Recriminaram
o seu atraso e a deselegância de seus trajes. Também se tornou alvo de chacota
alheia, logo apelidado de “Pereireca”. Aliás, com os novos e grandes olhos,
enxergava melhor do que antes e descobria os colegas que lhe apontavam o dedo,
riam-se dele e apostavam naquela demissão.
Pereira sentiu-se humilhado, derrotado,
solitário como uma freira. Como nunca, sentia na pele verruguenta um
constrangimento moral próprio das coisas desnecessárias da vida.
Seu retorno para casa naquele dia foi
devastador. Não havia sapo mais desanimado no mundo. Foi quando passava pela
calçada a Rosie, uma moça de cabelos curtos, piercing no nariz e braços tatuadamente coloridos. Ao ver
aquele sapo, parnasianamente aguado, arrastando a maletinha, seu coração
ambientalista e nerd partiu-se
em cacos. Soluçava o Pereira com o dedo em riste e o lábio inferior tremulento:
“Meu pai não foi rei!”
Empática, Rosie o abrigou em seus braços
sinceros, aduziu a face anfíbia aos seus lábios e admitiu-lhe um beijo largo e
quase escatológico.
Daí, aconteceu o que acontece todos os dias
quando as mulheres beijam os sapos: eles desencantam! Só que, em vez de
príncipe, havia apenas o nosso Pereira.
A Rosie, que não era muito afeita a homens e se
dava melhor com os bichos, ali mesmo rompeu a relação, bateu as asinhas e
venceu o horizonte para sempre.
Só posso dizer que o Pereira um dia encontraria
alguém que o amasse do jeitinho que ele era, homem ou sapo, e que nas noites de
chuva, após tórrido instante amoroso, poderíamos ouvi-lo a coaxar, enquanto
comia moscas, na beira do rio.
Raymundo sua criatividade é exemplar.
ResponderExcluirO pobre Pereira não foi bem sucedido ao descobrir seus achaques. Quem sabe melhor coceirento que sapo! Parabéns!
"Anônimo(a)", agradeço pela gentileza da leitura e seu retorno. Grande abraço.
ExcluirRaymundo Kafka Netto amei seu cururu parnasiano.
ResponderExcluir"Anônimo(a)", foi não foi... rsrs Muito grato pelo seu retorno à leitura. Abração.
ExcluirNetto, tuas crônicas são sempre as melhores!
ResponderExcluir"Anônimo(a)", muito me alegra o incentivo. Nós sempre precisamos, e os leitores(as) são nossos melhores indicadores. Forte abraço.
Excluir