domingo, 23 de abril de 2023

"Existem Balões de Fala em Romances?", de Raymundo Netto para O POVO


Comecemos a nossa reflexão à mesa do café e com esse título provocativo de uma questão levantada por Waldomiro Vergueiro e Paulo Ramos.

James Akel, um jornalista reacionário, defensor da ditadura militar, anticomunista e favorável à tortura, afirmou ter ficado zangado – como não ficou por outros motivos bem mais sérios nesses últimos 4 anos – e estimulou-se a concorrer à vaga na Academia Brasileira de Letras (ABL) por conta de ter sabido que um outro concorrente, o quadrinista e empresário Maurício de Souza, havia escrito em sua carta de proposição de candidatura à ABL que os quadrinhos eram “literatura pura”. Akel ainda declarou estar os quadrinhos no campo do entretenimento e não no da educação. Ou seja, para ele a literatura, sim, domina este campo. Por outro lado, Maurício de Souza, em muitos momentos, com hesitações, defendeu a sua tese e explicou: “Esta candidatura é para reunir esforços com todos os acadêmicos em levar a importância desta entidade secular para que crianças e jovens conheçam mais a nossa literatura e grandes autores que por lá estão e já estiveram.”

Ora, na minha anônima, mortal e proletária visão, declaro que o jornalista, cuja manifesta e exaltada leitura literária parece nada adiantar para ampliar a sua visão de mundo, está CORRETO quando afirma que quadrinhos não são literatura. Não são mesmo. Porém, está completamente equivocado quando diz que quadrinhos são apenas entretenimento e que a literatura é, por natureza, educação. Não é. Aliás, quadrinhos são muito comumente utilizados como instrumentos pedagógicos em sala de aula, assim como a literatura pode ser ou não.

Maurício de Souza, por consequência, não foi feliz ao afirmar ser os quadrinhos “literatura pura” e, certamente, o motivo de sua candidatura é outro e bem pessoal, pois é notório que ele não precisa de nada da vetusta agremiação para conseguir alcançar esses tais objetivos. Talvez a ABL até o atrapalhe... Mas em uma coisa Maurício tem absoluta razão: “Os quadrinhos são revolucionários”.

A repercussão dessa luta desigual tomou vários periódicos e o público (inclusive os jornalistas e articulistas) reagiu, claro, a favor do pai da Mônica, pois a grande maioria declara que aprendeu a ler e cresceu vendo e assistindo a turminha do bairro do Limoeiro. Eu também tive minhas primeiras leituras com os quadrinhos que, para minha felicidade, nos anos 70, não se restringiam à Turma da Mônica, mas havia vários, bancas recheadas de títulos de HQs, quando eles eram ainda considerados leitura medíocre, um subgênero ou mesmo um instrumento divulgador do erotismo, de violência e criador de psicopatas.

De certa forma, sou forçado a crer que comparar os quadrinhos com a literatura seria até diminui-los. Quadrinhos são quadrinhos, uma linguagem própria – Will Eisner dizia tratar-se de uma “tecnologia singular” –, que defende o seu direito de ser o que quiser e de se RELACIONAR/INTERAGIR com a literatura, assim como com o cinema, a fotografia e a música. Não é maior nem menor, é outra coisa! E, para não me deter muito nesses aspectos teóricos, sugiro a leitura de Quadrinhos e Literatura: diálogos possíveis (Criativo, 2014), obra organizada e composta por alguns dos maiores pesquisadores de quadrinhos no país, de onde destaco um trecho que afirma que, apesar das semelhanças e afinidades, “‘quadrinhos e literatura são linguagens diferentes’ (RAMOS, 2019, pg.19). Assumimos também que as histórias em quadrinhos são ‘um sistema narrativo formado de dois signos gráficos: a imagem (obtida pelo desenho) e a linguagem escrita’ (CAGNIN, 1975, pg. 25). As duas linguagens (escrita e quadrinhos) diferem não só pela utilização de imagens, mas também pelo modo como essas imagens são utilizadas e se relacionam entre si e com os demais elementos constituintes da obra na construção do significado (PAZ, 2008, pg. 117)” (PAZ, 2014, pg. 154).

Sim, os quadrinhos têm seus próprios elementos de linguagem que não encontramos na literatura, como os balões de fala de nosso título acima. E, por falar em balões, nosso espaço já estourou (POF!), só me restando dizer: Maurício de Souza, ao contrário de muitos que carregam o medalhão da ABL, assim como muitas estrelas de nossa literatura que foram por ela ignorados, é IMORTAL, pois essa condição só pode ser conferida pela OBRA e pelos seus leitores. Se eu fosse ele, abandonava a candidatura inútil e se voltaria, se quiser, aos seus projetos de incentivo à leitura, algo que o país precisa e o que na sua história já fez e faz muito bem.




 

4 comentários:

  1. Olá, Raymundo Netto!

    Você nos traz de forma sintética várias informações que nos ajudam na reflexão sobre Quadrinhos x Literatura.
    E concordo que o Pai de Mônica não precisa ser ungido pela ABL para ser reconhecido e imortalizado.
    Fraterno abraço

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  2. oi Raymundo, muito bom ler sobre e como as rasgadas manifestações dos contrários à candidatura de Maurício de Sousa repercutiu. existirão os contrários até porque parece que tem gente especialista nisso.claro, exageros de ambas as partes. fica de bom mesmo, seu manifestar e dizer co. propriedade sobre o assunto. um abraço

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  3. Muito boa a sua reflexão, Raymundo. Concordo plenamente.

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  4. Certeiro em cada palavra, consciente na postura e poderoso em cada argumento. Belíssimo texto.

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