“Aconteceu durante a festa de formatura da escola”, descreveu
Vitória à amiga. “Enquanto todos estávamos muito felizes, mesmo diante da
tensão de um Vestibular, Ramon, naquela noite, eu sentia, estava demasiadamente
eufórico. Mas ele era bem assim mesmo, pensei... Quando deram início à dança
dos formandos, ele me abraçou e dançamos. Creio que ambos aguardávamos muito
aquele momento. Senti o mundo desaparecer à nossa volta, assim como o chão de
nossos pés. Ainda consigo lembrar-me da música [“A Whiter Shade of Pale”], da
sensação de ter o seu coração pulsando acelerado tão ao lado do meu. Nossos
dedos entrelaçados, o seu perfume de sempre e o olhar dele posto em mim. Acho
que essa é uma das coisas que mais me impressionavam e que eu amava nele: o
olhar. Eu tinha a impressão de que ninguém me via como ele. Para ele, eu era
realmente importante. Ele me fazia acreditar nisso: eu era importante.”
Silenciou como se a mergulhar naquela lembrança: “De repente, ele me tirou do
salão. No jardim, abraçou-me e nos beijamos. Então, ele tirou do bolso do
paletó uma caixa. Era, claro, uma aliança. Ali, tremendo e com aquele sorrisão
no rosto, me pedia em casamento. Vê se pode? Ele querendo enfiá-la em meu dedo
e eu dizendo que não era assim. Não havíamos conversado, não podíamos assumir
aquilo. Éramos jovens demais... ‘Minha família não vai aceitar’, eu disse, e
ele, como se decide ir à esquina, sugeriu: ‘Nós fugimos!’. ‘Você quer matar a
minha mãe?’ Sim, eu sei, foi bem infantil, mas nós éramos assim mesmo:
crianças. Disse que iria pensar... mas eu não queria pensar. Não, não. Estava
apavorada! Depois, durante as provas do Vestibular e no início de curso na
faculdade, consegui adiar esse papo. Vez por outra ele insistia, cobrava-me uma
decisão e, diante de sua falta, alegava eu não ter certeza de amá-lo. No
entanto, certeza mesmo eu tinha de querer me formar, concentrar-me na profissão
escolhida, ganhar o meu dinheiro, viajar, conhecer pessoas, tantas coisas... Já
Ramon queria casar logo e ter filhos. Moraríamos com a irmã dele no início,
arranjaria um trabalho qualquer enquanto concluía o seu curso... Eu não queria
nada disso. Foi quando conheci o Carlos. Como eu, estagiava na área, já reunia
economias, queria abraçar a futura profissão, curtia a vida e namorava sem
gerar expectativas. Acho que isso me atraiu. Não aguentava mais aquela pressão
do Ramon. Tinha que acabar com aquilo, mesmo que me doesse e o machucasse.
Pensava: ‘Se tiver que ser, um dia nos encontraremos novamente’, o que sabemos,
nunca aconteceu”.
Virgínia ouvira toda a história.
Levantou-se e, em despedida, abraçou a outra: “Vi, eu não conheci esse Ramon. O
homem que esteve comigo era infeliz, desesperançado, a ponto de sua tristeza
não caber nele. Pior: tinha de sobra para distribuir a quem tivesse coragem de
estar ao seu lado... como eu. Ele era incapaz de enxergar qualquer futuro.
Vivia apenas para remoer o passado, pois era lá, somente lá, onde ele poderia
encontrar você.”
Assim, impossível seria dormir naquela
noite. No dia seguinte, como em outros antes, bateria à porta da casa de Ramon
para mais uma excursão silenciosa ao seu encontro.
Jandira demorou mais do que o de
costume para atendê-la. Sua fisionomia também não era das melhores. Acostumada,
Vitória entrou e, quando abriu a porta, estarreceu: o quarto estava
completamente vazio! Voltou-se para a sala e ouviu de Jandira: “Eu tinha que
acabar com isso. É muito louco, é imoral. Você tem que deixá-lo descansar. Ele
está morto, criatura... morto! É tarde demais para ele... mas para você...
Esqueça. Pelo amor de Deus, esqueça.”
(A última parte em 15
dias)
olha, que coisa né?
ResponderExcluirme vi nessa história, encruzilhada, entre um amor de criança e a vida inteira por descobrir..aplausos!
Essa história, com certeza, não é apenas deles, Ramon e Vitória, Lucirene. Certamente, aqui e ali, vamos (me incluo) nos identificar com alguns desses acontecimentos ou sentimentos expressos na narrativa. É vida, e a vida é assim.
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