Gedeão
incomodava-se.
Passasse à calçada, a vizinhança logo lhe apontava olhos censurosos. Era um
desgraçado, sabiam mais do que ele próprio. Sabiam sempre mais, de não entender
como não haveria de saber nada. Pois sim, a sua mulher o traía às ventas e ele
nada! Como poderia?
Já havia de telefonemas anônimos.
Bilhetes de solidária maldade lhe chegavam. Os colegas e mesmo os familiares
mais próximos, com vexame, insinuavam desconfianças... Era de tão claro, mas
Gedeão parecia receber tudo com a naturalidade de um Jó, incompreensível ao
geral pensamento humano e, ademais, masculino.
Diante da porta da casa, torcendo a
chave, a curiosidade de uma rua despontava aos ouvidos: haveria ali outro
alguém? seria daquele dia a desforra? falaria à sonsa da mulher as verdades?
surraria aquela vagabunda? acabaria dali, de vez, a pouca vergonha?
O silêncio frustrante de um nada
acontecia.
Naquele dia, entretanto, após minutos,
saía ela, a esposa jovem e imperdoavelmente linda, pela mesma calçada,
acompanhada de estranho. A lágrima descia única e atrevida à face, a luzir do
suor vertido no calor da hora. O homem ao lado nem não tinha cor. Fosse outra,
dignaria vaia, mas ela, não, era diferente. Temiam-na.
No vento de sua passagem, correram
todos à janela da casa. Gedeão, magro ao paletó, cruzava os dedos nos cabelos
da cabeça reclinada. “O desespero corroía o peito”, pensavam todos a suspirarem
dós da sua inocência. Homem estudado, embora simples e apaixonado, trouxera
aquela moça inda adolescente, virgem parecia, do interior, mal sabendo as
palavras de boca. Deu-lhe nome, casa, comida. E agora, era de pagar esse preço.
Por tanto a enganar olhos e ouvidos, a vadia aproveitou-se.
Como tudo na vida, menos na morte, o
tempo passou. Gedeão, acolhido com disfarce generoso pela vizinhança, encontrou
breve outra mulher. Esta, filha única da vizinha, a mais cruel algoz de sua
outrora companheira. Via na filha a redenção daquele corno, pois nela o exemplo
quase litúrgico de virtude e fidelidade.
Gedeão casara assim em festa de rua.
Nunca mais que ficara só. A sogra, entretanto, não deixava o casal esquecer a
outra. Sempre a relembrar de suas imperfeições e a ostentar a compensação na
excelente escolha a remir o seu passado.
Foi-se a novidade. Gedeão atravessava a
calçada, incomodado. Era de um encabulo só. Olhos demais, palavras demais,
amigos demais e algo mais lhe pedia a vida. A esposa já percebia. Acolhendo-o
em seus braços, buscava chegar à sua dor, lhe preencher o vazio de seu coração
choroso.
E foi numa noite que Gedeão abriu, com
sorriso, a porta da alcova, e apresentou à mulher um homem sem cor, e ela,
compreensiva em seu sublime e devoto amor, abriu os braços, como numa cruz,
para o seu mundo.
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