José Pedro, o Deca (29.6.1939 - 25.10.2018)
“Vejo meu pai como um artista. Saber viver é uma arte. De todas,
a mais difícil! Ele era semianalfabeto, nascido numa cidadezinha que nunca eu
ouvira falar e, mesmo assim, conseguiu um emprego seguro, casou-se e teve nove
filhos, criando e educando a todos. Em seu emprego, era querido e respeitado
tanto pelos chefes como pelos subalternos. Quando ia ao Quartel era recebido
como uma celebridade. Até o general o tratava com cortesia – chamava-o de mestre
Raymundo – e sempre se oferecia para ajudar-lhe quando precisasse. Hoje, quando
penso como papai conseguia conquistar todas essas pessoas, independentemente de
patente ou de nível social, percebo que tinha muita sabedoria.”
Há apenas 12 anos, o meu pai, José Pedro, passou a me visitar quase que
diariamente pelas manhãs. Ele, mais acostumado a dar do que a pedir, chegava
humilde, quase litúrgico, em gestos e palavras. Trazia debaixo do braço um
caderno velho de apontamentos onde montava uma espécie de autobiografia.
Precisava de minha ajuda para “ver se estava tudo certinho”. Minha missão, quase
a de um escrivão: sentar ao seu lado, digitar o que escrevera e melhorar aqui e
acolá, sem alterar o texto, a sua “voz”, tornando-o bem compreensível ao expressar
o que acontecera e o seu sentimento a respeito. Então, enquanto eu digitava, lia
em voz alta. Ele, ao lado, acompanhava. Explicava-me, quando achava necessário,
as entrelinhas daquela história, confirmando-a com lamento, certa timidez ou
mesmo se divertindo muito.
O menino, que nascera no Dia de São Pedro, na rua das Neves, s/n, em Casa Amarela,
no Recife, falava sobre a infância, as escolas, as aventuras e travessuras, a
juventude no Largo da Paz, os carnavais, os primeiros amores, o trabalho –
desde os 13 anos –, a vinda a Fortaleza, o casamento, a família, as
dificuldades financeiras, as escolhas, as renúncias, a sua vida religiosa, entre
outras delícias.
Naqueles
dias, visivelmente emocionado ao passar a limpo aquelas memórias, quase toda
passagem do texto gerava uma nova história, uma vida que mais parecia ter 100
anos (tinha 67). Eu questionava, pedia-lhe para repetir aquilo, tentava situar
historicamente, enquanto na minha cabeça tudo se transformava em imagens de
filme antigo, um drama humano, que, aparentemente, poderia ser a história de qualquer
um, mas não o era para aquele homem.
No trecho
acima, em que descreve o pai – quando pequeno, por perceber que a maioria das
pessoas gostava mais das mães, decidiu gostar mais do seu pai –, ele, sem o perceber,
retratou-se como nós, filhos, o vemos. Sim, aquele “artista” era ele mesmo. Daí,
ao final, outro trecho: “A maior lição que recebi, e esta, veio do
exemplo de meu pai, é procurar ser o pai que ele foi, fazendo tudo pelos
filhos.” E o fez, assim como pelos seus netos, enquanto pôde. As lições que nos
deixou comprovam isso.
Até que na manhãzinha de 25 de outubro de 2018,
ele descansou desse mundo, deixando agora as suas memórias, como as folhas de
outono, ao vento, espalhadas entre as nossas e as de outras tantas pessoas que nos
chegam e sorriem ao falar o seu nome, a nos provar que a vida não cabe no
tempo, apenas se alimenta dele, assim como aquilo que insufla o corpo, quando
muito, transborda dele, resistindo ao esquecimento e nos acolhendo naqueles
momentos em que achamos não existir nada mais na estrada que valha uma vida.
Meu pai, eu e minha mãe (Zenaide), em um dia dos pais
Teu texto é tão lindo que até esqueci que falavas de teu pai
ResponderExcluirque morreu há pouco. Já tive muitas perdas de pessoas queridas, inclusive pai e mãe, fica um grande vazio, mas com o tempo fica apenas uma saudade danada. Você é o retrato vivo de seu pai, pois gostas de escrever crônicas... Muita força amigo. Não sei muito o que dizer nessas horas. Bju grande.
Agradeço demais a sua leitura e sensibilidade. Abraço.
ExcluirBom dia Raimundo Neto. Obrigado por sua cronica. Fez-me lembrar de meu PAI. Que apesar de sua posição social (Promotor público )Era uma alma simples. GRANDE ABRAÇO.
ResponderExcluirObrigado pela leitura e pela lembrança. Abraço
ResponderExcluirSr. José Pedro, pessoa com o qual tive pouco contato, mas pessoa que transmitia alegria e paz até mesmo a quem só estava de passagem.
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