“Nossa,
você é mesmo dura como pedra!”
Casimiro
achava incrível a enfática frieza da noiva. Desde que a conhecera, nunca de
tê-la visto derramar uma única lágrima por nada nem por ninguém. Cria ele que,
por ser mulher, deveria ela ser a porção sensível do casal. Mas não. Ao
contrário, seria ele, no dizer do povo, uma manteiga derretida, enquanto Petra,
a noiva, era inabalável: “Se é assim, o que fazer? Adianta chorar, adianta?”
Aquela
objetividade o molestava miseravelmente. Dissertava: “O pranto feminino tem um
quê de beleza, suavidade, ternura, como se a pedir ninho, proteção, segurança.”
Petra ria e fazia pouco: “Não é por ser mulher que tenho que ser assim...” E
não precisava mesmo. Contudo, até entre as amigas, era discriminada. Nunca de
ser convidada como dama de honra, madrinha de casamento ou dos sobrinhos, nem
de receber convite para leituras ou mesmo rodas de oração, simplesmente porque
sabiam que Petra sequer umedeceria os olhos e muito menos expressaria qualquer emoção.
Aliás, no próprio casamento, Petra não chorou. Todo mundo desmaiando, se
descabelando, caindo em prantos mais sentidos e ela lá, devorando a mesa de
doces às gargalhadas e enchendo deles os bolsos do paletó do marido que, sem
graça, a censurava: “Meu bem, você não tem sentimentos, não?”
Alguns
anos vieram, assim como os filhos, mas nenhuma lágrima se viu.
Não percebia
ela, mas Casimiro vivia um colapso moral. Sentia-se pequeno e frágil comparado à
esposa casca grossa. Os diálogos rarearam e, só assim, Petra se alertou.
Decidiu salvar a relação e quis aprender a cozinhar para ele. Sim, até então,
tudo que era consumido em casa vinha em quentinhas.
Um dia,
estava à cozinha praticando a sua culinária de internet, quando começou a
cortar cebolas. Não demorou muito para que estranhasse: e não é que estava chorando? Não acreditou. Enquanto esfregava o
dorso da mão por sobre os olhos, ria-se de tanto chorar. Chorava pela primeira
vez na vida e o fazia fartamente tal qual torneira arrebentada. “Que sensação
maravilhosa!” Foi quando se deu conta do tempo que perdera. Daí, sem saber por
que, lembrou-se do pai – morrera tão cedo... – a segurar a sua mãozinha de
criança em um passeio na praça. Veio-lhe a saudade dos braços calorosos da mãe
a lhe embalar o sono. As horas em cima do muro do colégio à espera dos pais e o
medo de ser esquecida. A imagem do Eduardo, o vizinho que amara com todas as
suas forças de adolescente, e que nunca lhe dera a menor bola. As amigas que
lhe deram as costas. As discussões intermináveis com o marido. As primeiras doenças
dos filhos... enfim, a sua vida inteira lhe era revelada naquelas cebolas.
Passou a
se entregar a elas. Mal dormia pensando na hora de voltar à cozinha e iniciar o
seu corte psicanalítico. A choradeira era tanta, que os filhos em zombaria lhe
apontavam o dedo: “Mamãe está chorando! Mamãe está chorando!” E estava mesmo. Berrava
e gemia revivendo as suas angústias e a desabafar pelos olhos. Aquilo, sentia, era
libertador. E assim lhe foram todos os dias, até aquele em que, descuidosamente,
ao remexer na roupa de lavanderia, encontrou um bilhete do dia anterior no
bolso de Casimiro: “Meu amor, te espero. De hoje não passa! Beijos”. Logo a
seguir, um endereço. Petra não acreditou: “Tanto esforço e o canalha se divertindo
com outra? Que desaforado!” Indignada, trocou a roupa e se dirigiu ao covil
daqueles amantes.
Não é
preciso dizer como se deu estrondosa a sua entrada no apartamentinho. Casimiro
e a amante, flagrados em lençóis, assistiam mudos à mulher de olhos coléricos a
esbravejar. Petra então sacou da bolsa uma faca. O pânico tomou conta: “Não,
querida, não faça isso... Não faça!” Em seguida, ela tirou da mesma bolsa uma
enorme cebola, a maior de todas, e começou a cortá-la delirante frente ao casal
estupefato, derramando por sobre eles as lágrimas de toda a sua vida.
Amo esse texto. Foi (é) um espelho pra mim..muita gente!! Virei fã das obras do autor rsrsrs
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