domingo, 3 de janeiro de 2016

"Adriano Espínola: um poeta solar", de Sânzio de Azevedo


Poeta, ensaísta e ficcionista, o cearense Adriano Espínola é autor de uma dezena de livros, sendo cerca de meia dúzia de poemas.
     Neste ano de 2015 ele resolveu reunir o que de melhor havia em quatro desses volumes de poesia, acrescentando-lhes alguns inéditos, e o resultado foi o livro Escritos ao Sol.
     Andou bem o poeta em pôr esse título na obra: com a primeira e a quarta capa amarelas, o livro, publicado pela Record, do Rio de Janeiro, mostra-nos um artista solar, o oposto dos penumbristas, cuja obra floresceu às vésperas do Modernismo. É como se o autor fizesse questão de se dizer filho da região que Gustavo Barroso chamou de “Terra de Sol”.
     Postos em ordem decrescente, os livros são Praia Provisória (2006), Beira-Sol (1997), Trapézio (1985) e Táxi (1986), sendo que os dois últimos quebram a ordem das datas.
     No texto que serve de prefácio ao livro, “O Poeta em movimento”, Eduardo Portella, entre outras coisas, diz: “O poeta, ‘beira-mar/beira-sol’, avança em meio à inconfidência da luminosidade”.
     Evocando famoso soneto de Sá de Miranda, diz o poeta cearense em “Verão”, de Praia Provisória:
                                            O sol é grande.
                                    As aves e a praia, livres.    
                             Tua carne, alegre e ardente.
                            Sim, sobre ela eu lerei todos os livros.

     O poema que dá título ao livro Beira-Sol se inicia com estes três versos de uma beleza plástica:
                                        Nasce da luz solar um pescador.
                                              Sobre uma pedra,
                                           fisga a carne prateada.

     Trapézio é todo de haicais; não na forma consagrada por Bashô, no século XVII, em versos brancos, mas rimados, seguindo a inovação de Guilherme de Almeida, que introduziu rimas nesse poema. Escolho dois do poeta cearense:
                                         Um só fio dela
              − da aranha – se estica e apanha
                                         o sol na janela.
                                  
                                          Pipas no ar, estio.
                             Alguém na praia sustém
                                         o sol por um fio.

     Como, porém, toda regra tem exceção, o poema que fecha o volume, “Táxi ou poema de amor passageiro”, o texto mais famoso do autor, não é tão ostensivamente solar. Mas nos mostra o poeta “bebendo a luz da tarde refletida em caras que nunca mais verei”, falando da “Fortaleza de trezentas mil bocas ardentes como o sol”, ou de “farelos de sol sobre a terra ressequida”, e só. Trata-se de longo poema de notas algo surrealistas e cheio de inventividade incomum.
     Tem o poeta plena consciência do que é a poesia, por isso não alimenta nenhum tipo de preconceito, como ocorria com os modernistas da chamada “fase heroica”, os quais fugiam do soneto, confundindo fôrma com forma. Escritos ao Sol abriga sete sonetos, todos perfeitamente modernos, e compostos em bloco, como os compunha Camões. É o caso de “A Serpente”, “Língua-mar”, “Martim Soares Moreno”, “Matias Beck”, “Silva Paulet”, “O Jangadeiro” e “A Rendeira”. A um olhar menos atento parecerá que todos seguem o esquema do soneto inglês, composto de três quartetos e um dístico, como os compostos por Shakespeare. Isso pelo fato de rimarem entre si os dois versos finais.
     Engano. Com exceção do penúltimo, “O Jangadeiro”, todos apresentam as mesmas rimas nos dois primeiros quartetos.
     Reproduzo um dos mais belos, com esquema rimático em ABBA/ABBA/CDD/CEE. Trata-se de “Língua-mar”, que certa vez vi na TV, declamado por artistas portugueses:

                                A língua em que navego, marinheiro,
                                na proa das vogais e consoantes,
                                é a que me chega em ondas incessantes
                                à praia deste poema aventureiro.
                                É a língua portuguesa, a que primeiro
                                transpôs o abismo e as dores velejantes,
                                no mistério das águas mais distantes
                                e que agora me banha por inteiro.
                                Língua de sol, espuma e maresia,
                                que a nau dos sonhadores-navegantes
                               atravessa a caminho dos instantes,
                               cruzando o Bojador de cada dia.   
                               Ó língua-mar, viajando em todos nós.
                               No teu sal, singra errante a minha voz.

     Diante de um livro como Escritos ao Sol, a vontade que tem o comentador é de transcrever quase o livro todo. Mas só o que foi lido aqui já basta para se conclua que Adriano Espínola é hoje um dos grandes poetas que o Ceará deu ao Brasil. 


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