sábado, 23 de agosto de 2014

"Politicanalha", de Raymundo Netto, para O POVO


O bom de ser político é que ele não precisa mentir para ninguém, mas o faz, assim mesmo, só pelo amor ao esporte, para manter a língua adestrada, para testar os limites do seu cinismo, ou porque o povo exige que ele minta, melhor do que dizer-lhe a verdade, a verdade jamais, por favor, seu doutô, seria insuportável.
Você acha isso ridículo? Sério? Pois eu acredito que você também não gosta de ouvir a verdade. Melhor, diz que gosta, sim, da sinceridade, da franqueza, e mais, que não perdoa mesmo é a mentira. Meu inocente amigo, essa é a maior mentira de todas.
Nós não somos nem fomos preparados para a verdade, grande geradora de ressentimentos incalculáveis e transcendentais. Ela é tão simples, tão fácil, que assusta. O falador de verdades é visto sempre como tolo, ingênuo, uma ameaça inconcebível para a humanidade. A mentira, não. Ela já nasceu forrada em plumas, de forma que já vem prontinha a ser, no mínimo, contornada, revitalizando os sentimentos desaquecidos, nos quais o mentiroso passa a ser visto como pessoa segura, esperta, um exemplo de vencedor.
Ao lado de certos políticos, mentirosos cujos talentos artísticos a população exige – e que a carapuça lhes caia sobre os chifres –, sempre têm aqueles interesseiros de plantão, gente que também se diz honesta, que vai à igreja aos domingos, que reza o terço na sua casa, mas que tem fissura mesmo é pelo gosto amargo do couro das botas majoritárias, adoram cadeira de secretaria, seja lá qual for, de preferência em pastas mais merecedoras de recursos. A maioria desses sanguessugas não é dada ao trabalho. Bater ponto? Jamais. Como aliado, adora deixar o carro em casa e passear nos oficiais, de motorista, com  pins do governo no colarinho, e são vistos em churrascarias ou restaurantes franceses coletando recibos e notas fiscais para resguardar seu patrimônio pessoal, enquanto a sua pança é pública.
O cenário pode ser ainda mais triste. Hoje, vejo dezenas de pessoas desesperançadas, com olhar lamentoso, triste, dizendo que não votam mais em ninguém, que não querem nem saber de nada, principalmente depois da pisa dos alemães e seus canhões, pecado, ao que parece, para eles, maior do que o próprio Holocausto. Mas isso, infelizmente, é outra mentira: o cabra vai votar sim, e vai votar naquele que hoje ele reclama, naquele que diz não gostar de pobres – como se importasse mesmo com isso –, que é um malfeitor, um corrupto, um canalha de pai e mãe.
Morre o Eduardo Campos, que estava atrás nas pesquisas, mas a morte purifica e, num instante, se voltasse à vida, estava eleito! Todo mundo agora votaria nele, até os demais candidatos começaram a sua campanha pedindo licença ao eleitor, quanta gentileza, para oferecer o seu programa ao morto, que era quase um filho, um irmão, um cunhado, um primo distante, e, se pudessem, teriam até se casado com ele.
A esquerda e a direita, insensíveis a essa conversa de mentiras, vieram para o centro e deram-se as mãos, trocaram figurinhas, aprenderam um com o outro, numa vergonhosa fraternidade nunca antes vista na história política desse Brasil, que já deixou de ser varonil e é quase broxa. Mas claro que essa história de fraternidade é mentira... Enquanto a do broxa, ah, essa é verdade, viu?
Contam até a história de um ônibus repleto de políticos que caiu numa ribanceira. Dias depois, a polícia chegou no local, o encontrou todo arrebentado, mas ninguém por perto. Perguntou pelos passageiros à comunidade do entorno. Disseram: "Enterramos todo mundo!" "Todo mundo? Mas ninguém escapou com vida?" Foi quando o líder da comunidade, um agricultor rude, colocou a mão no queixo, coçou a barba e falou: "Olha, seu poliça, havera uns que até disseram que estavam vivos, mas sabe como é político, né?, uma cambada de mentiroso!" 
Só sei que foi assim.


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