aos bairros José Bonifácio e Parque Araxá, hoje quase
esquecidos
Se despertássemos um dia ouvindo os ruídos da
manhã de tempos atrás, certamente tomaríamos um susto. O ruge-ruge do mundo, os
barulhos cotidianos vão mudando com o passar dos anos. Os roncos de motores dos
automóveis, os diálogos televisivos na casa vizinha, dariam lugar aos pregões
de rua, às valsinhas chiadas num rádio e às conversas de senhoras lavando
roupas.
Mas nem tudo acompanha a marcha inexorável do
tempo: aqui e ali encontramos um recanto perdido em algum quintal de subúrbio,
um corredor sombrio em certo casarão ainda não demolido pela especulação
imobiliária, uma árvore riscada por cupins e povoada de pássaros invisíveis
esquecida em pleno centro da cidade; vezes mesmo há bairros inteiros, margeando
outros mais movimentados, que parecem ter sido poupados pelas pesadas correntes
dos relógios.
Se neles penetrássemos com bastante cuidado,
numa delicadeza tal que não toque nos míseros fiapos das teias de aranhas que
formam as sensíveis roldanas que movimentam estes e outros mundos esquecidos
pelos deuses do progresso, com certeza ganharíamos o paraíso.
Mas há que se andar com mocassins de pelica, a
respiração lenta e pausada, para que as suas finas membranas não sejam
rompidas. E é certo que estes mundos quase invisíveis, estas esquinas
impossíveis do tempo, precisarão sempre de um ouvido atento, de dois olhos
bastante distraídos, para não desaparecerem entre as infinitas peças que
movimentam a engrenagem desse gigantesco mecanismo do mundo.
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