I - Mamãe Noel
Fim de ano chegando, tempo de pensar na vida, pesar os pontos bons vividos, analisar os inevitáveis entraves. Tirar os calos dos pés, as unhas encravadas, o pelo crescido das narinas. Polir as orelhas, que também se encheram daqueles tristes cabelos caídos da calva.
Fim de ano: sinônimo explícito de velhice.
Alguns ficam tristes, se amuam, casmurros, em seus casulos.
Eu não, pois tive uma infância feliz; com pais bons, amorosos, que sempre espremiam a pobreza e compravam o mais simples presentinho de Natal. Quando não tinha, bastava ir à casa de Dona Tizinha pegar uma bola canarinho, um apito... um sonho!
Os tempos mudaram, os irmãos se espalharam, o pai se foi, a mãe resiste firme: Mamãe Noel!
II - Duende Verde
Na esquina da 13 de Maio com Carapinima o já tradicional Papai Noel Verde pede tranquilamente suas esmolinhas. A barba branquinha reluz ao sol, de vez em quando dá um tchauzinho e um sorriso irônico ao vendedor de churros no outro lado da rua. Que não lhe retribui, mas sapeca baixinho para o freguês:
- O pilantra tem uma vila de casas lá no Parque São José. Diz pra todo mundo que todo Natal levanta mais uma.
III - Nossa Senhora de Assunção
Ali no cruzamento da Duque de Caxias com Assunção uma preta velha de seus 60 anos rege a filha de 15 que já lhe deu dois netos. Levanta a mão apontando o carro com o vidro abaixado que se aproxima.
Como se movesse os fios de marionetes a velhota controla a filha, as duas netas, além de cinco ou seis crianças que tomou emprestado das vizinhas.
De tardinha ressona encostada na parede; os meninos brincam dispersos pela calçada. A filha tenta se livrar do abraço do vendedor de CDs piratas.
IV - Outdoor
No radinho de pilha do vendedor de bombons na parada de ônibus da 24 de Maio:
"Os dois bons velhinhos se livraram das roupas e do gorro no cesto de lixo assim que terminaram o assalto, mas não foram encontradas as barbas..."
O dono da banca e duas senhoras com sacolas de compras olharam desconfiadas para o Papai Noel da loja de roupas, que tranquilamente descansava as velhas pernas sentado à sombra do outdoor no banquinho do PARATODOS.
Na sua mão esquerda uma latinha de Coca-Cola.
Pedro Salgueiro é escritor e funcionário público. Edita, em parceria com outros escritores, as revistas de literatura e arte Caos Portátil: Um almanaque de contos e Para Mamíferos.
Muito boa a crônica de Pedro Salgueiro, parabéns pelo post, Raymundo Netto. Já li alguns textos seus no blog primeiracoluna.
ResponderExcluirUm abraço,
Dalinha