Do caixão, levantou-se num
repente. O olhar arregalado desmentia a aparente prostração.
Diante do acontecimento, os amigos de logo correram longe, saltaram
janelas, engasgaram-se com biscoitos, quebraram xícaras, cobriram pálidos e
adormecidos o chão.
Sentada, gritava coisa com coisa de um não partir agora. Haveria tanto a
fazer ainda... E o que seria dos filhos?
O genro lançou, violentamente, o paletó no chão, se negando a crer no
retorno da maldita: “Diabo! É mesmo uma estraga-prazeres!"
A filha mais velha deitou um choro cortante. Cria a hora de seu (do dela)
merecido descanso. Há tanto cuidava da mãe, de não ter paz: noites maldormidas,
horários do remédio, visitas frequentes aos médicos, banhos demorados com
esponjas e repletos de reclamações, compressas quentes dias e noites, largos passeios
na calçada depois do jantar.... Renúncia da cara vida, que somente aquela morte
poderia libertar. Cria. Que engano, nem ela!
Encolerizou o filho a mãe ser desde sempre contra ele. E o que fazer
agora com os planos de vender a casa velha? Com o dinheiro, abriria um negócio,
arranjaria-se na vida. E agora? O que fazer de seus planos? “Egoísta!”
A empregada velha, malas prontas de partir na soleira da casa, na apatia
da convivência, deu-lhes volta ao quartinho conjugado à cozinha: “Vou fazer a
sopa de dona Mariinha.”
A pobre defunta, não tanto, ainda tonta, dizia não querer-se ir. “Ainda
não!”
Os convidados também protestaram, argumentaram, insistiam: sempre fora tinhosa,
danada. Será que só pensava nela? O seu marido, coitado, que Deus o tivesse ou
não, já o sabia e foi-se logo, não bestava. E para que se arrumaram tanto? E o
jantar?
Já botava uma perninha de fora do caixão... trouxeram-na de volta,
ameaçadores: “Tem certeza disso, mamãe? É assim mesmo? Olha...”
Suspirosa, pedia uma chance. Ah, davam não!
Inconformada, mas no rumo do sem jeito, deitou-se lentamente, cruzou os medos
das palmas de mãos sobre o peito e morreu de novo, enquanto ouvia, entre
últimos ouvidos, os soluços lastimosos de família:
— Ai, minha mãezinha... Que saudade... É, mas descansou!
Nenhum comentário:
Postar um comentário