Em nossa infância (na
pequenina Tamboril dos anos 1970) vivíamos no Bairro das Pedrinhas, que era bem
simples e no qual só existiam, quando lá chegamos, umas 7 famílias. Fomos morar
numa ruazinha ao lado de 2 casais de tios; e, ao redor desse trio de casas sem
cercas entre os quintais e um terreiro amplo que se estendia até os fundos de
uma antiga maternidade, reinávamos quase 30 crianças (ainda hoje erramos a
contagem dos muitos primos) entre brincadeiras, idas à escola General Sampaio e
visitas diárias ao casarão dos avós maternos, que moravam no Centro.
O mais espantoso, visto da distância de
hoje, é que essa multidão de meninos e meninas fora sustentada por pais muito pobres:
um pedreiro, um ferreiro e um sapateiro, que mantinham sempre um roçado para
ajudar na alimentação (sem falar nas sacrificadas mães, que tinham de dar conta
de tudo no dia a dia dessa imensa legião): dos 10 filhos do pedreiro Luis
Petronílio, apenas 1 perseverou na profissão do pai; dos 9 do ferreiro Zé
Inácio, nenhum seguiu batendo ferro; e dos 6 do sapateiro Arimatéia Salgueiro, quem
quis alisar sola que nem meu velho?
Essa antigas profissões têm sobrevivido a
duras penas, quase não se encontra mais um ferreiro para confeccionar foices,
enxadas ou armadores, isso tudo se compra nas casas de ferragens ou mesmo nos
supermercados, como se não existisse mais a figura fuliginosa do mestre araponga.
Ainda hoje guardo na memória o bater de ferro e o roncar do fole e o chispar do
fogo da oficina do meu tio Zé (na mesma rua havia a oficina do mestre
Toquinho); dos antigos sapateiros só tenho notícia do seu Zé Manela, ainda na
ativa, e do artesão Anastácio Cícero (que, pelo adiantado da idade, já não
trabalha), quando tudo que se calça é comprado (também como se fosse produzido
por milagre) nas lojas, abstraindo a figura curvada dos nossos lambe-solas de
antigamente, a exalar o delicioso cheiro dos couros, vaquetas e colas. Os
pedreiros não, estes continuam firmes e fortes, aumentaram em número e
qualidade, são disputados por todos para erguer e conservar casas e prédios
comerciais.
Porém os ofícios que mais me encantavam
quando menino eram os “carregadores d’água” em seus jumentinhos cheios de
canecos de madeira dependurados em ganchos de ferros nas cangalhas escanchadas
dos sofridos animais (quem da minha idade não se lembra de seu Dãêta, Izim e Quiza
choteando atrás de cacimba boa pros lados do Cuandu?) e, também, a profissão
rara (esta, sim, a que mais me impressionava) dos “espanadores de tetos” com
suas vassouras de cabos compridos a tirar casas de aranhas, ninhos de pássaros
e até cobras dos frechais altíssimos das velhas casas: recordo bem de seu
Antônio Roseno varrendo ao contrário tesouras e cumeeiras do casarão do meu avô
Chico Inácio; mas inesquecível mesmo era avistar seu Antônio Dino (mais
conhecido como Sembereba), com seus quase 2 metros de altura, vindo lá das
bandas do Papoco para espanar com seus vassourões gigantes os muitos casarios
da cidade, parando em cada calçada para contar histórias mirabolantes, tiradas
engraçadas, com seu vozeirão de gigante, no ombro um imenso capo de vassoura
cuja ponta da frente já se encostava à parede do mercado e a de trás ainda
vinha na Grota da Mijada, na entrada da rua.
Meninos sempre, felizes e bem formado!
ResponderExcluirBom demais! Vivi, na condição de menino do campo, a mesma época. De todos os personagens, o ferreiro, o sapateiro e botador d'água são dos que mais lembro.
ResponderExcluirBom demais! Vivi, na condição de menino do campo, a mesma época. De todos os personagens, o ferreiro, o sapateiro e botador d'água são dos que mais lembro.
ResponderExcluirExcelente crônica 👏👏👏
ResponderExcluirRealmente, fomos vizinhos, eu o Dodô do ze Alípio, ali na praça onze.relembro bastante todo esse pessoal que vc citou nessa linda crônica, também tinha na praça onze o ferreiro seu Pepeu, os netos do seu Antonio Soares e outros... mas e gostoso lembrar que foi tempos bons com tao poucos recursos...abraço amigo...
ResponderExcluirExcelente recordações. Parabéns!
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