segunda-feira, 14 de setembro de 2020

"Os Acangapebas", por Grecianny Carvalho Cordeiro


Crítica literária nunca fui, tampouco pretendo vir a ser. Sou apenas uma leitora inveterada e apaixonada que não se contém quando lê um livro que adora, e por isso mesmo deseja compartilhar seu encanto com outras pessoas.

Os Acangapebas, que em tupi-guarani significa “cabeça-chatas”, de autoria de Raymundo Netto, é justamente o tipo de livro que merece ser compartilhado.

O autor possui um estilo bem original; brinca com as palavras com elegância associada a uma leveza impressionante, capaz de inserir o leitor dentro de cada narrativa como se fora um protagonista. E então nos encontramos e nos perdemos em cada personagem; em cada cena, tão nítida em nossa imaginação que parecemos vivenciá-la; nos mais variados enredos cotidianos com desfechos surpreendentes; ao final, constatamos: a vida é realmente assim.

O pescador orgulhoso pelo filho escolher seguir sua profissão (“Luzeiros”); Cícera, a mulher que perdeu sua identidade com o casamento e não mais se reconhece (“Álbum de Fotografias”); Raimundo Arievaldo, o feliz dançarino que não perdia uma boa dança de salão (“O Tio Dançarino”);  a enfastiada rotina de um homem que quando saía de casa era “uma vontade de ir-se e de chegar-se” (“Em Pregos”); a angústia de alguém em depressão (“Portas Fechadas”); a desimportância de uma idosa, recolhida como lixo (“O Gato da Vovó”). Especialmente marcante é “Gêmeas”, sobre o pai que de tudo fazia para agradar as filhas que se rivalizavam, obrigando-o a uma difícil decisão diante de uma tragédia. Um pai “com a frágil e única esperança de não lhes ter decepcionado mais uma vez.”

 E quando imaginamos que leremos somente crônicas, o “Intermezzo” abre passagem para contos, igualmente magistrais. Destaco aqui, a emocionante história do palhaço Cambalhota, a guardar tantas dores atrás de sua máscara.

Parafraseando Raymundo Netto em “Cadeiras na Calçada”, confesso que, usando da prerrogativa de leitora, fiz uso dessa licença para mergulhar nas entranhas do pensamento e na alma de cada personagem a mim apresentados de uma forma tão encantadora.

Os Acangapebas não é livro para ler com pressa, é para degustar, compassadamente, delicadamente...

Grecianny Carvalho Cordeiro

Promotora de Justiça e romancista




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