Como
uma princesa,
quiçá rainha, assim era tratada Rosânia, filha única do respeitado empresário
Cirano Ventes. Aliás, o sobrenome do pai lhe dava salvo-conduto, laissez-passer,
como diziam nas colunas sociais, a qualquer local daquela cidade, mesmo os
inatingíveis. Para ela não havia “depois”, “não pode”, “não dá”, coberta que
era por uma certa vaidade deificada. Assim, não seria possível supor que ela, a
filha, tivesse uma ojeriza tão medonha daquele pai. 
Nunca a revelara a
ninguém, mas via no narigão do pai um não sei o quê de repulsivo, asqueroso,
com ares de legítima bruxa da Branca de Neve. Tinha tamanho pavor que
assegurava: era aquela “coisa” a responsável por seus piores temores infantis.
Tanta doçura e dengos de seu pai não conseguira apagar a imensa sombra que
pairava maldita no imaginário virgem da garota.  
O sr. Ventes,
coitado, já lhe percebia há muito essa reserva e distância, mas pensava ser
natural pela sua condição feminina: “Se fosse homem, seria diferente...”
A mãe, entretanto,
via com anormalidade a incompreensível aversão, que a fazia inventar desculpas
para sequer cearem juntos, ou desviar o rosto com náuseas quando ele a
acarinhava em aniversários e natais. Aliás, em seus álbuns de festa, as fotos
ao lado do pai eram sumariamente descartadas. Quem os visse, pensaria ser Rosânia
filha só de mãe.
Um dia, já moça,
decidira casar. O noivo, bom rapaz e de família, era um príncipe, dizia.
Algumas horas antes
da cerimônia, porém, no mais prestigiado salão de beleza da capital, o
maquiador Paulinho lhe chegou cheio de mimos, afagando-lhe as madeixas e
tocando-lhe o rosto com suavidade quase que sagrada. Ela, como uma rosa de
jardim, vaporava alegrias, até que, inesperado, Paulinho pôs uma mão na cintura
e com a outra tamborilou a escova no queixo. Silenciado, fitou a moça ao
espelho e disse: “Mulher, nós teremos que usar sombra e pontos de luz para
suavizar e disfarçar o volume...”
— O volume de quê?
O que você quer dizer?
Diante da mudez
repentina e geral, Paulinho torceu o canto da boca e disfarçou: “Eu? Nada, meu
bem. Nadinha... só...”
— Você insinuou
alguma coisa, sim... Diga. Repete!
O rapaz,
desafeiçoado a frescuras e achaques, olhou para as colegas que acenavam
súplices com as cabeças e indicadores e, num êxtase, rodou a cadeira de Rosânia
e berrou numa impiedade carrasca: “Olhe aqui, minha filha, nós vamos ter que
dar um jeito para o seu nariz não aparecer mais do que você na filmagem. É
isso. Pronto. Falei!”
A noiva encheu-se
de lágrimas e tornou ao espelho, como se numa primeira vez. Sim, estava lá, o
tempo todo, bem diante do seu... nariz: era o narigão do pai! Sem tirar nem
pôr, o mesmo fantástico monstrengo!
Correu pelo salão
um brado megaestratosférico jamais ouvido. Há quem nos conte que não ficou um
único espelho ou copo em pé. Rosânia saiu correndo à rua, destroçando o
penteado e escondendo a sua vergonha entre as mãos, seguido por Paulinho, a
equipe do salão, a mãe e o gordo pai: “A culpa é sua! É sua!”
Naquele dia, o
casamento não aconteceu e ela não poria mais o nariz fora de casa. Da rua, por
muitos anos, quem olhasse a janela triste do primeiro andar, poderia acompanhar
o seu perfil generoso, a caminhar de um lado para outro, rodeado de pesadelos
num quarto onde não entraria jamais um novo amor, muito menos outro espelho.
