Samuel,
quando veio ao mundo, em vez de chorar, clamava: “quero ser mágico!”
Assim,
desde de a sua meninice, peregrinava por jornais, revistas, manuais e internet
e colecionava álbuns de figurinhas em busca de conhecer e se aproximar dos grandes
prestidigitadores de sua época. Nesse intuito, fugiria da casa paterna
resolvido a apreender os segredos milenares e maravilhosos do ofício.
Debulhadas inúmeras
folhinhas de parede, o adolescente se via perdido, sozinho e faminto num mundo
de inimaginável realidade, até a chegada na cidade do famoso Gran Circo
Internacional. Entusiasmado, Samuel se dirigiu a ele, enfrentando a fila de
pretendentes a serviços temporários, pois faria qualquer coisa, desde que
pudesse se aproximar de Eugênio Roudin, o mágico, o melhor de todos.
Aceito, passava o dia
varrendo e limpando a coxia, lustrando objetos e, no momento do espetáculo,
carregando pesos, vendendo pipoca, milho verde, balões e brinquedos de néon.
Ali, dessem qualquer espaço, Samuel não perdia a oportunidade de anunciar: “Seria
o maior mágico do mundo!”
Às noites, no sereno
frio da manta naftalínica, seduzido pelo vagalumear das estrelas perdidas na
vastidão do cortinado negro, fantasiava o seu picadeiro de encantamentos.
Um dia, de tanto se
enxerir, perturbar a todos e assediar Roudin, conseguiu arrancar dele a
promessa de treiná-lo como seu assistente. Seu objetivo, enfim, se realizaria.
Porém, para a surpresa
do mágico, apesar do entusiasmo e a declarada paixão pela arte do ilusionismo,
quando Roudin pôs numa mesa uma série de objetos utilizados em seus truques,
como baralho, cordas, lenços, flores artificiais, moedas, dados, argolas, entre
outros, o rapaz se resumia a esfregar as mãos e fitá-los com uma ansiedade
vazia de qualquer experiência. Roudin pensou: “Teria que começar do zero!”.
Para piorar, quando o fez, tudo indicava que Samuel não tinha a menor aptidão
para a coisa. Era desastrado, desconcentrado, uma tragédia: um coelho
descia-lhe pela perna da calça, se enrolava em lenços coloridos, tropeçava em
fios de náilon disparando papéis coloridos pelo colarinho, escapavam-lhe pombos
pelas mangas da camisa, esparramavam-se copas e ouros pelo chão... nada haveria
de dar certo.
Após várias tentativas
e frustras recomendações, Roudin surtou. Era uma absoluta perda de tempo... do
seu tempo! Já não entendia de onde o rapaz tirara aquela ideia de que um dia
poderia ser mesmo um mágico de verdade. Era, isso, sim, um inútil e grandessíssimo
pateta que jamais dominaria o universo da magia.
Os colegas de circo,
sentados nas arquibancadas a admirar os ensaios do garoto, nunca haviam visto o
elegante mágico perder as estribeiras. E alguns, por considerarem Samuel um
tanto pedante pelas suas incontáveis afirmações de ser o maior mágico do mundo,
diante de suas trapalhadas, gargalhavam e o vaiavam a valer, numa estrondosa,
constrangedora e irremediável humilhação.
Transtornado, Samuel
assistia ali, por meio da plateia de seus próprios colegas e mentor, o coração
dilacerar em rasgos perversos de solidão. Ainda diante do achincalhamento
geral, abaixou-se, sacou um punhado de terra molhada por suas lágrimas,
moldando com ela uma ave entre as mãos. Soprou seu bico e, como que puxando
alfenim, fez crescer o grande pássaro vermelho a emitir sons dolorosos e
estridentes. O fracassado artista, então, saltou sobre seu dorso, subindo em
voo ligeiro através das estrelas costuradas na lona circense, sabe-se lá Deus
para onde, determinado a nunca mais acreditar em sonhos.
Raymundo Netto!
ResponderExcluirQue história tocante, linda, surpreendente.
Fraterno abraço
Muito obrigado
ExcluirSerá o Raymundo?! " Coisas engraçadas de não se rir "__ oi?! Molhou um punhado de terra com as próprias lágrimas, moldou uma ave com as próprias mãos, do molde fez um pássaro com o próprio sopro, voou montado no dorso do próprio pássaro sonhado e ... subiu num voo " determinado a nunca mais acreditar em sonhos ". Será o Raymundo?! Pai, filho e Netto santo __ a simultaneidade de papéis sociais na consecutividade da descendência familiar. Será o Raymundo?! E eu vos direi: no entanto, haverá maior absurdo que a ilusão do fulano que ao nascer, em vez de chorar, clamou taokey, que foi aprendiz de torturador, que ensaiou ser ditador, que faz da terra brasilis, molhada com a própria urina, uma pocilga para deleite de pigs? Será o Raymundo?! Não. O aprendiz de torturador é um realista barato. Raymundo é um ilusionista que dá barato. Seu sopro anima as palavras para que elas, com ânimo sorridente, desfaçam as falsas ilusões. Será o Raymundo?! Só se for o Netto, que é pai e filho. Valeu, Seu Netto, por mais essa doce ilusão, que me faz rir porque ouvimos estrelas, não as das lonas furadas dos circos de realismo barato, mas as que se penduram em pavões misteriosos, pássaros formosos, que, embora não sejam tantos, sabem voar! Obrigado.
ResponderExcluirEita, como viajou longe... do Raymundo, ao Bolsonaro e terminar em Ednardo... Meu Deeeeeussss... Grato mais uma vez, dom Armando Lucas.
ResponderExcluir