Nesses tempos terríveis, onde a ignorância
campeia e se mostra orgulhosamente vaidosa, quando a burrice se espraia pelas
redes sociais e à boca miúda, como se dizia antigamente, e a depressão parece
ser o porto mais provável (mesmo inevitável), só as boas leituras nos salvam,
acredita estupidamente, impunemente... o escrivão Bartleby.
Tenho espalhado livros e mais livros pelos
diversos cantos da casa como se fossem caixas de remédios para todos os males,
brota uma tristeza pego um volume de poesia, mesmo que seja das mais fortes,
que fatalmente me livrará de outros tantos comprimidos; uma contrariedade no
trabalho, dois contos da prosa de Guimarães Rosa me jogam nas veredas da
lucidez; notícias ruins como doenças de parentes e conhecidos, tasco quatro
parágrafos de Machado e duas conversas com Quincas Borba me recobram (pasmem!)
a paz.
Mas mesmo com esses santos remédios
encadernados e poeirentos, ainda em papel, tenho tido infinitos problemas, a
ansiedade crescente me impele a pular de livro pra livros com uma rapidez
estúpida, com uma incrível fúria para encontrar o antibiótico mais eficiente,
numa insana busca que se torna por si mesmo mais importante que o resultado
final; vou às cegas à busca do placebo ideal pra minha dor de cabeça
imaginária, para tentar em vão estancar a fúria das águas que são todas (ou
quase) do espírito: olho ao redor e se empilham volumes com marcadores a
denunciar suas leituras fraturadas, interrompidas...
Na minha quixotesca tarefa de escapar do caos
exterior criei, sem querer (ou inconscientemente desejando), um caos interior
insolúvel: atravesso madrugadas tentando concluir leituras espaçadas, pedaços
de livros que se confundem, personagem de épocas e territórios diferentes que
impunemente interagem na minha loucura, Lituma desce dos Andes e vem pleitear
uma operação de urgência, ainda exige liminar: a inútil organização de tarefas
se misturam com os tenebrosos noticiários das tragédias tão repetidas e
reanunciadas que ecoam de tempos imemoriais: o desastre serrano de décadas atrás
(ou D’antes, doutras tragédias que de tão repetidas viram comédias) se mistura
com as enchentes da semana passada, a cara de gravidade de repórteres,
comentaristas e políticos se misturam com os choros e caras de espanto das
novas vítimas: a repórter embarga a voz ao anunciar que quatro corpos da mesma
família foram encontrados, três abraçados sob o barro.
A contabilidade material, física mesmo, dessas
últimas tragédias, é difícil de contabilizar, mas a enumeração de nossos males
mentais decorrentes delas serão infinitamente mais impossíveis de se perceber,
curar, sanar, remediar momentaneamente que sejam: e tome remédios, palavras,
lágrimas, rezas e ódios... Então tento policarpamente curar tudo isso com
inúteis livretes, que se amontoam inacabados, poeirentos, a entupir quase o
quarto, a casa inteira, impedindo o fechamento de portas e
janelas.
Como se fosse possível fugir de nós através
dos outros: procuro na prateleira um vidro ainda fechado de Pílulas do
Mattos... e outro, já bastante usado, do Emplastro Brás Cubas!
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