segunda-feira, 9 de novembro de 2020

"O Estandarte do Coronel", de Raymundo Netto para O POVO


Coronel Oswaldo era um viúvo octogenário. O síndico perfeito. Homem de temperamento forte e austero, se distinguia pela invulgar habilidade de comando, fruto de anos dedicados às Forças Armadas de um Brasil. Procurassem, fosse na hora que fosse, acolhia pacientemente as lamentações das moradoras — os maridos não lhes davam a menor bola — que o palmeavam e o exaltavam na hora da janta: “Que homem esse é o seu Oswaldo!”

Entretanto, guardava ele um silêncio: a doraguda de um falo desanimado. Para o orgulhoso militar, imperdoável. Soube, porém, num fortuito dia, e decidiu implantar uma prótese peniana. Tudo envolto no mais absoluto sigilo, claro, e que Deus o livrasse se alguém supusesse um dia daquela sua vergonhosa fragilidade!

Com a tecnologia a seu favor, Oswaldo não deixaria mais de bulir em seu brinquedo. Nem acreditava naquilo. Soubesse, teria feito antes... Passou a querer a toda hora, a todo instante. Fosse mulher, passasse por sua revista, agora sabia: apertava aquela bombinha na mais segura possibilidade.

As domésticas, diaristas, as mocinhas da rua e mesmo uma ou outra colega de faculdade da filha, vacilassem, o coronel as colocava em sua linha de fogo.

Mas, iniciada a brincadeira, ao acionar a bombinha milagrosa, tinha ele a mania de exigir da companheira a apresentação de continência ao “glorioso estandarte”, como assim apelidara o membro ora ascendente e vigoroso.

As coitadas, a princípio, o faziam por graça, depois percebiam-lhe o modo estranho, exigido cerimonialmente a cada nova intervenção. Atrevessem dispensar-lhe tal continência, o desagrado era profundo, de esboçar uma carantonha, puxar as parceiras ao colo e dar-lhes tapas vigorosos na bunda, que era para discipliná-las. A ordem, então, seria no tapa!

Daí, em pouco, a mania do coronel passou a povoar o clássico fuxico das áreas de serviço do prédio. As senhoras fingiam, outras nem tanto, mas enojavam-se da tara do velho. Os moleques de rua, montados em bicicletas, passavam-lhe a prestar continências gargalhosas. Os maridos não deixavam mais suas mulheres trocarem miúdos com aquele homem, outrora muleta útil do matrimônio alheio, que, por fim, teve a sua primeira grande derrota em campanha sindical, desde que passara a residir no “Morada das Palmeiras”. Estava, enfim, des-mo-ra-li-za-do!

Sem o posto sindical, vítima de chacotas, amargando a solidão da popularidade, o pobre e inútil coronel tombou. Encostou os coturnos.

A cerimônia fúnebre se deu no salão de festas do condomínio. As senhoras rezavam pela alma daquele pecador que, apenas em seus últimos tempos, seduzido foi pelo mundano. A filha era, de fato, a única a dispensá-lo o pranto sincero. Foi quando o absurdo se deu: ao jogar-se com uma coroa de flores sobre o corpo paterno, sabe-se lá como, acionou a dita bombinha e o velho "estandarte", resistindo à morte, apontou ao céu. Abismada e sem saber o que fazer, a filha caiu para trás numa vergonha não apenas tão grande quanto à da plateia feminina que, maquinalmente, batia a última e desejada continência ao coronel.




 

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