Na igreja, as pessoas se reuniam na organização de um bazar para
angariar recursos à paróquia. Laura carregava caixas, quando foi abordada por dona
Neide, uma das beatas, que percebeu-lhe as mãos: “Você não é casada, minha
filha? Cadê a sua aliança?”
Surpresa,
Laura apenas balbuciou um tímido e não convincente “Perdi”. Neide, ao
contrário, bem vivida e maliciosa, olhou a jovem com desdém e, espalmando a mão
esquerda bem à frente de seu nariz, projetou a volumosa aliança dourada: “Pois
eu sou casada de papel passado e com as bênçãos de Nosso Senhor. Não sou mulher
de sem-vergonhices, não.”
Laura, constrangida
e diante de outros olhares fuzilantes, pediu licença e saiu pela escadaria aos
prantos. Sim, ela não era casada e isso, ninguém sabia, lhe era uma tremenda frustração.
Há anos, conhecera Serafim e logo se apaixonara. Ele propôs: “Amor, vamos morar
juntos?” Ela espantou-se. Queria, mas não queria assim. Sonhava-se em véu e
grinalda de flores de laranjeira, vestido alvo de cauda longa, diante do padre
e da família, com direito a daminhas e pajens, sininhos, chuva de pétalas de
rosa e de arroz, mas Serafim insistia: “É uma festa apenas, meu amor. O que é
uma festa?”
Laura,
mesmo com rigorosa formação religiosa, hesitava. Afinal, era o Serafim “Um
fofo!” Até que um dia, convidada a ser madrinha de um casamento de amiga,
enamorou-se por tudo: pelas cores e luzes, buffet, balões de gás, discursos e
juras de amor eterno, brindes, um milhão de fotos e um buquê. Chorava como se
aquela fora a sua tão desejada cerimônia matrimonial. Natural sair de lá
decidida a colocar o rapaz na parede: “Só casando!” Entretanto, ele, sofrendo o
diabo, afirmou: “Então você não me quer... quer a festa!” Laura, sentindo-se vista
de forma tão fútil, irritou-se, gritou aos céus de relampos e temporais: “O que
eu quero é não vê-lo nunca mais!”
Parecia
uma eternidade, mas poucas semanas depois, Laura soube que a amiga,
recém-casada, fugira com um ex-namorado. Perplexa – não dera tempo nem de
conferir o álbum de fotografias – e sem pensar, procurou Serafim: “Como pôde?
Tudo tão lindo, perfeito, e ela foge... assim?” Ele, um inveterado saudoso e
perdido em amores, lhe estampou um beijo de novela: “É só uma festa, meu
amor... Uma festa...” Então, sem adiar mais, Laura se entregou a Serafim. Com pouco,
alugaram uma casinha e passaram a viver juntos. Porém, mesmo amada e contente, ela
tinha suas vergonhas e, daí, naquele mesmo dia em que foi encurralada pela
beata, perguntaria ao Serafim: “Querido, um dia nós vamos nos casar?” “Só se
for de novo”, respondia ele, sem tirar as vistas do jornal. “E Deus, as suas
bênçãos?” Ele beijava delicadamente a sua mão e sorria: “Somos abençoados, meu
amor. Eu te amo, você me ama. Deus é amor!” E ficava por isso mesmo.
Até que,
no dia seguinte, voltando do mercadinho, ela passou pelo calçadão da praia e
viu, para seu espanto, o marido de dona Neide, o velho Olegário, de calção, aos
amassos e lambendo os beiços com uma moça em biquíni. A vizinhança comentava:
“Que velho mais safado. Todo dia é essa lambança. E na frente de todo mundo!”
No
domingo, após a missa, dona Neide, como se esperava, aproximou-se de Laura com
outras colegas de fuxicos e lançou: “Ô, Laurinha, me tire uma dúvida, criatura.
Você e o seu Serafim são casados, tico-tico no fubá, ou o quê?” Ao que ela,
segura e altiva, respondeu: “Nós somos felizes, dona Neide. Só isso: felizes!”
Cada texto , uma estória boa de se ler. Parabéns! Compartilhando!!!
ResponderExcluirMaravilha!
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