“A minha mulher é o diabo!”
Barata
era cabo em uma corporação militar. Há anos, casara com Mafalda, bibliotecária,
mulher séria que, de tão séria, beirava a chatice incondicional. Não bastasse
ser ela imensa e ele, ao contrário, um tampinha que nem a farda lhe era capaz
de oferecer qualquer altivez, o coitado morria de medo da mulher. Isso não era
segredo para ninguém e muito menos para ela, a gozar do direito de humilhá-lo publicamente,
a qualquer tempo e a qualquer hora. Orgulhava-se de conduzir o infeliz a rédeas
curtas e não lhe poupava ameaças. Por qualquer coisa, ouvia-se “Barataaaa!” e,
como num deus nos acuda, e “se demorasse era pior”, lá se ia a criatura
postar-se diante dela, a se entregar aos seus cascudos.
Em um
carnaval, contou-me ela, estavam num sítio com a família. Ele, após o almoço, dormia
na rede quando despertou com um baque nos peitos. Era o filho. Zonzo, com as
costelas ardendo, ouviu da mulher: “Não fiz esse menino sozinha! Quer moleza?
Também mereço!” E saía dali altiva, prendendo os cabelos, deixando para trás o
menino berrando no ouvido do pai, o que não o constrangia tanto quanto as
gargalhadas de cunhados a caçoar: “Ele é cabo, mas ela, sim, é o sargento!” Barata
se sentia um inseto.
Amigas
alertavam Mafalda: “Vai perder o marido...” Ela, entretanto, mais segura que
uma coluna romana, batia fortemente nos fartos seios: “Sou mulher direita.
Nunca traí! Como eu, o traste não encontra!” Sim, Barata ouvia essa lengalenga
todos os dias – “Sou fiel! Sou fiel!” – como se isso justificasse aquele
inferno sem fim. Até os amigos estranhavam: “Separa, Barata. Mulher boa tem aos
montes. A sua, é bucha de canhão!”
Um dia, uma
surpresa inédita: Mafalda trouxe um colega de trabalho para almoçar. Era o
Pinto. Apresentou-lhe com tão largo sorriso, que o Barata estranhou: “Nem
lembrava que tinha dentes...”
Durante
as semanas seguintes, a agora falante Mafalda, não dizia nada que não saísse o
Pinto no meio. A sua boca era o Pinto! Aquele, às suas vistas, parecia ser o
ideal masculino. Então, Barata lampejou: passou a insistir que a mulher
trouxesse o Pinto mais vezes: “É raro um bom amigo”. Motivava o convite para
irem ao cinema, ao teatro... Não se preocupasse, ele ficaria com o filho: “Nem
gostava dessas coisas”. E assim, muitas vezes, aconteceu de ela sair arrumada e
cheirosa com o colega. Nessas noites tardas, vinha leve e fagueira e, sem
conversa, ia logo dormir sem reclamar de nada.
Uma
noite, Barata deixou o filho com a sogra e disse à esposa que,
extraordinariamente, estava de serviço no quartel. Então, sugeriu convidar o
Pinto, “um jantar talvez”, para que ela não ficasse tão sozinha. Convencida, assim
o fez. O que ela não sabia é que durante a noite inteira o ardiloso marido se plantaria
de tocaia no jardim. Corria para a janela do quarto de casal, brechava, mas eles
não saíram da sala, bebendo e rindo a valer de um filme antigo. Lá fora, Barata torcia: “É agora, vamos, é
agora...” e nada acontecia. Até que, tarde, o Pinto levantou-se, apertou a mão
de Mafalda e se dirigiu à saída, sendo, ainda na soleira, arrebatado pelo
Barata que, enlouquecido, o esmurrava fartamente.
Escandalizada,
Mafalda pegou o marido numa gravata íntima: “O que é isso, Barata? Endoidou,
homem?” Chorando e desesperado diante do fracasso a três, rendeu-se com a cara
nos seios da mulher e, apontando para a vítima, berrava ao quarteirão: “Esse
Pinto é frouxo! É froooouxooo!”
Gostei demais dessa estória, principalmente o final que surpreende. Parabéns, mais uma vez.
ResponderExcluirObrigado, Fabreu. Abração.
ExcluirEle queria se livrar da chatice da mulher. Esse Barata é um sabido! Kkkkk. Esses textos são a alegria 😁 da gente!!!acho que alguns dos seus personagens estão espalhados pelo meu bairro kkkkk
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