“Mulher dormindo com o
filho” (1926), de Hermann A. Scherer.
— Mamãe, eu não sei mais o que fazer
com Imaculada...
Dona Mariquinhas, a mãe, era viúva de longa
estrada. Com a morte de Horácio, o venerado esposo, enfrentou a criação e
sustento do filho, fruto primeiro e único desse inconsolável amor. Daí, pouco
sair à rua. Menos ainda amigos. Mesmo quando do filho em casa, para ajudá-la
nas tarefas domésticas, as mais pesadas, tinha apenas o auxílio de Amâncio, um
jovem abobalhado e truculento que criara desde menino, acolhido no lar em troca
de casa e comida. Depois do casamento do filho com a sua primeira namorada,
aquela Imaculada, sofreu horrores de abandono do ninho, até acostumar-se, se é
que isso aconteceu.
. Aquele filho, no entanto, cheio de mimos,
tornou-se um palerma de primeira. Tirando a instrução, mal sabia amarrar os cadarços.
Naquele dia, por exemplo, em meio a dúvidas profundas, largara a clientela do
escritório para buscar a barra de sua saia: “Imaculada, há dias, estava
irreconhecível. Comprara lingerie indecorosa
e uma calcinha que... (enguiou) e, no momento do amor, pôs-se a me dizer
obscenidades, sem-vergonhices, palavrões. Pedir coisas. Nunca foi disso antes.
Parecia endemoniada.”
A mãe desconfiou: “Tem
boi na linha...” Aumentou a pressão dos dedos no cafuné. “Algum cafajeste está na
área ou é má influência de amigas solteiras.” Concluiu: “Também, não há mais
homens. Como o Horário, que era homem com H maiúsculo, e com 2 H, é bom que se
diga, não se encontra mais.”
— Também não se encontra
mulher como você, mamãe. Mulher honesta, irrepreensível, fiel até depois da
morte. Diz, mãezinha, o que devo fazer?
— Uma prova! Você
precisa é de uma prova. Mulher quando se perde, tem jeito não. As sonsas são as
piores! Mas deixe que a sua mamãe tem uma ideia...
Então, dona Mariquinhas
segredou ao ouvido medroso o terrível plano.
No outro dia, estava o
casal na sala. Ele na poltrona e Imaculada deitada no sofá, quando batem à
porta: um mensageiro! Vinha lhe entregar um buquê de rosas escandalosamente
vermelhas. O canastrão, sabendo do embuste, pediu que ela atendesse. Fingiu
surpresa: “Rosas? Deve ser engano. Só pode.” Percebeu ela colher o cartão do pretenso
amante – com mensagem que ele mesmo digitara – e o esconder furtivamente ao
decote: “Ah, mas são lindas... Vou pô-las no vaso, amor.”
Ainda com teatro, ele
anunciou sono e dirigiu-se ao quarto, orelha em pé, ouvindo a esposa falar
baixinho ao celular. Logo, confusa e disfarçando o pouco jeito, a mulher entrou
no quarto e começou a se despir. Não suportando mais, ele saltou rapidamente,
pegou o celular dela e saiu correndo, enlouquecido: “Sua vagabunda! Eu mato
ele! Eu mato os dois!
Como sempre, sem saber o
que fazer e incapaz de matar uma barata, correu em busca do colo materno que,
no adiantado da hora, estava às escuras. Entrou. Sentindo-se irremediavelmente ferido
de traição, como um bebê assombrado, se jogou na cama da mãe, sendo violentamente
apanhado pelos seus braços:
— Amâncio, seu guloso,
quer mais da sua cachorra, né? Vem, tarado, vem!
Então, completamente pasmo
e entregue, provou daquele beijo a fórceps, a quase extrair-lhe a alma inteira.
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