quarta-feira, 5 de junho de 2013

"O POVO: 85 anos presente no Ceará X", de Raymundo Netto (5.6)


“O povo é que diz: jornal é O POVO”
(slogan adotado a partir de janeiro de 1976)

5 de janeiro de 1916. Demócrito e Creusa Rocha recebiam Albaniza, a Izinha, filha primeira do casal. Demócrito, na época telegrafista, morava com a esposa na casa de Maroca, sua cunhada, e Virgílio Porto. Desde pequena, Albaniza demonstrava imensa afinidade com o pai. Envolvia-se em seu braço e ouvia, em silêncio, as longas conversas com os amigos e correligionários, assistindo aquilo que os demais leriam apenas em seus artigos publicados, mais tarde, em jornal. Assim, aprendia a “ler” as pessoas, a conhecer a sua natureza, pelo olhar, muitas vezes nem tão poético, do pai. Também de Demócrito herdou a paixão musical, acompanhando a família em audições de óperas ou de música popular, além dos serões litero-musicais da Casa de Juvenal Galeno. Por outro lado, não interessava as prendas domésticas. Nem costurar, bordar ou cozinhar. Adolescente vaidosa, gostava de vestidos e perfumes. Não fosse apegada aos estudos como a irmã Lúcia, adorava ler romances e sonhar.
Em 1929, Demócrito chegou a casa e apresentou à família seu novo secretário e redator: um jovem magro de olhos expressivos escondidos por óculos redondos. Era Paulo Sarasate, filho do maestro Henrique Jorge. Bastava isso, Creuza já lhe tinha apreço. Um lanço de destino despertava para Paulo e Albaniza, e, com pouco – e certa preferência da futura sogra – firmaram namoro adornado de paixões comuns como a política e a literatura. O pai dizia: “Casamento só depois que Izinha se formar”, o que se realizou em 1936, no dia 3 de setembro, às 15 horas, na igreja do Coração de Jesus do Rio de Janeiro, capital da República, onde Demócrito atuava na Câmara de Deputados.
Na volta ao Ceará, o esposo logo assumiria a carreira política, atuando como deputado (estadual, depois federal) e governador – nesse período, ela assumiu a direção da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Ao seu lado, era atuante, cheia de convicções, confidente, companheira de sua vida política e pública. Mas a rotina dos bastidores obscuros da política, nos quais se revela a falta de limites da vergonha e da ambição, o abalava. Momentos difíceis que culminaram em sua renúncia ao cargo.
Paulo e Albaniza não tiveram filhos. Assim, Lúcia e João Dummar “emprestaram” seus seis filhos ao casal, em especial, o primogênito Demócrito Dummar, que foi, desde jovem, numa espécie de ritual de passagem de família, preparado para assumir as rédeas de O POVO.
A união do casal durou 32 anos, encerrada após o falecimento do, então senador, Paulo Sarasate, em junho de 1968, devido a uma embolia pulmonar pós-operatória.
No entanto, Albaniza assumiria a presidência de O POVO apenas em 1974, após a morte da mãe, embora atuasse como diretora superintendente, reconhecendo e estimulando os colaboradores cuja liderança e competência lhe eram notórias. Entendia ela que as pessoas é que faziam a diferença. Não raro, em conversas com funcionários mais antigos do jornal, contam-me histórias de algumas que por ele passaram, que ingressaram em funções menores e que, aos poucos, foram conquistando posições mais elevadas e de maior responsabilidade na empresa. Leal, também ela costumava demonstrar sua gratidão fosse como fosse, muitas vezes contratando filhos, irmãos, amigos e parentes de colaboradores fiéis ao jornal. Para ela, o grande termômetro desse trabalho podia ser verificado na leitura da edição do dia de todos os dias de O POVO.
Segundo a jornalista Adísia Sá, sob sua presidência, na vanguarda da imprensa nacional e na tentativa do retorno à prática democrática, O POVO foi “um dos precursores da abertura política no país. (...) espaços de opinião foram ampliados e o jornal passou a exercitar o pluralismo como expressão do seu cotidiano”. O movimento “Diretas Já”, por exemplo, alcançou vulto no Ceará por meio de suas páginas.
Nunca se esqueceu de sua infância, das dificuldades financeiras experimentadas pelos pais, das restrições por conta do sonho paterno de construção de um grande jornal. O espírito de Demócrito saltava nela: gostava de elogiar aqueles que acertavam, mas era dura com quem errava. Repetia: “Não atacamos, combatemos; não bajulamos, enaltecemos.”
O POVO, no período de sua presidência, passou a atuar no movimento de emancipação da mulher; desde 1974, consolidou a sua sede na avenida Aguanambi; em 1975, foi o primeiro jornal do Norte-Nordeste a chegar em Brasília e comemorou o feito de ser o maior parque gráfico da imprensa cearense e um dos maiores do Nordeste; inaugurou duas emissoras de rádio – uma estação AM e outra FM; e, em janeiro de 1984, lançou o “Jornal do Leitor”.
Albaniza, em 1985, assinou o ato de criação da Fundação Demócrito Rocha e ainda lutou para conseguir a concessão de um canal de televisão, o que lhe foi prometido, mas não cumprido, na época, pelo presidente José Sarney.
Um dia, após sofrer a fratura de uma costela, descobriu um câncer. Submeteu-se à cirurgia. Fez quimioterapia. O seu corpo enfraquecia, alimentava-se por meio de sonda – só aceitava a refeição que vinha de Messejana, feita pelas mãos da irmã Lúcia –, respirava com apoio de um balãozinho de oxigênio, mas resistia, contando com a companhia constante de Lúcia Maria e da sobrinha-neta-afilhada, ainda adolescente, Luciana. Tudo menos internar-se! Não queria se afastar do seu jardim – da casa da Aldeota –, gostava de estar entre as flores, apreciar-lhes a beleza, pedir de empréstimo seus perfumes, que a aproximavam da infância feliz e de seus quintais de brinquedos, canções e histórias.

Em 25 de maio de 1985, porém, chegava inconsciente ao hospital Prontocárdio onde, às 9 horas, concluiu o seu curso de vida, deixando no ar o vapor das rosas a aquecer o leito azul das tardes vindouras em esperanças.

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