domingo, 18 de agosto de 2024

"Itapipoca: artes rupestres I"


Poucas são as informações que permitem um estudo detalhado sobre a vida dos primeiros agrupamentos humanos. Por isso, a arte rupestre se tornou uma das principais fontes históricas para compreender a nossa Pré-História. Por meio dela, podemos imaginar as formas de comunicação entre os primeiros humanos, os rituais religiosos, além de nos apresentar traços, figuras geométricas e linhas, bem como as suas impressões de pés e mãos, entre outras descobertas referentes à sua cultura.

O pesquisador, crítico e artista plástico Nilo Firmeza, o “Estrigas”, diante da necessidade de conhecer os trabalhos de arte deixados pelos nossos antepassados em épocas pré-históricas e ciente dos pouquíssimos estudos sobre o tema, publicou Arte: aspectos Pré-Históricos no Ceará (Edições Tukano, 2ª ed, 1989), no qual narra sua pesquisa e exploração in loco em Itapipoca, mais precisamente na “Pedra Ferrada”, no Mocambo de Cima. Na obra, no capítulo “Nossas Manifestações Artísticas”, dedicado ao político Perilo Teixeira, adverte que em seu estudo, ao contrário do que se fazia até então, pretendia colher nele “a parte de interesse artístico e apresentá-la em função mais da arte que da história”. Mais à frente, assevera: “Em sua melhor manifestação, da mais genuína representação característica da arte primitiva em seu período inicial já valorizado, vamos encontrar em Itapipoca, na serra de Uruburetama, o que, no momento, se constitui, de conhecido, o patrimônio maior deixado pelos nossos pintores da Pré-História.”


Estrigas e Nice na gruta "Pedra Ferrada"


Dissemos que Estrigas dedicou esse capítulo ao deputado Perilo Teixeira, e não foi à toa. Quando Perilo soube da pesquisa de Estrigas em “sua cidade”, imediatamente disponibilizou transporte, hospedagem, um guia e um fotógrafo para a viagem de Estrigas e de Nice Firmeza, artista plástica e sua esposa, para Itapipoca, a fim de explorar a famosa gruta da “Pedra Ferrada”. A expedição saiu de Fortaleza em 3 de janeiro de 1975, ou seja, estamos às vésperas de completar o seu Cinquentenário.

Na obra, Estrigas narra a dificuldade de se chegar ao local, o caminho íngreme, a escalada, a longa distância e as características da almejada gruta, que tinha “uma curvatura que formava uma abóbada de uma extremidade à outra”. Continua: “No interior dessas crateras [cita que a parede interior da abóbada era repleta de crateras circulares ou elípticas] existem pinturas. Distribuídas pelo espaço da parede, encontramos duas figuras de pássaros [...], um quadrúpede [...] e muitas figuras humanas [...], além de outras figuras não muito distintas e parecidas com sinais.”


Desenhos captados por Nice


Estrigas retornaria a Fortaleza e regressaria a Itapipoca ainda no mesmo mês, no dia 25, com o objetivo de registrar esses desenhos. Desta vez, levaria o jovem Bené Fonteles e convidaria o também o pintor Mário Baratta, que chegaria, no dia seguinte, acompanhado do amigo Vicente Gondim.

Enquanto Estrigas observava acuradamente cada imagem e realizava suas medições, Nice copiava as figuras e os sinais por sobre um plástico transparente – esses desenhos se encontram na obra – e Bené Fonteles e Mário Baratta fotografavam.


 

(Continua)

 

 


 

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

"Itapipoca: a Capital Cearense da Megafauna Pré-Histórica II", de Raymundo Netto para O POVO


É em Itapipoca, no Ceará, onde encontramos a maior quantidade e qualidade de fósseis de megafauna pré-histórica e a maior variedade de espécies. Acredita-se ser aquela região, por motivos ainda hoje apenas supostos, a única no Brasil que adquiriu as condições necessárias de acolhimento e aclimatação ideal para esses animais.

Ali, uma das descobertas mais curiosas, encontrada no sítio paleontológico denominado “João Cativo”, é a de vestígios de interação de humanos pré-históricos com a megafauna. Aliás, segundo o paleontólogo e curador do Museu de Pré-História de Itapipoca, Celso Lira Ximenes, também relator da Lei Municipal que criou o equipamento, “trata-se do primeiro registro da interação humanos-megafauna na pré-história do estado do Ceará.” Entre esses vestígios, marcas no fêmur do fóssil de palheolhama (um parente distante da simpática lhama), causados por instrumentos de pedra, possivelmente na tentativa de cortá-lo em pedaços menores.

O Muphi, em exercício desde 2005, está de mudança em breve para sua sede própria, ora em processo de requalificação e restauração do prédio, um patrimônio histórico edificado de grande simbologia para o município, daí seu projeto ser pensado de forma a preservar ao máximo as suas características e elementos arquitetônicos, como a imponente escadaria principal, as fachadas, rampas de acesso, colunas, arcos etc. Inaugurado, continuará o seu programa permanente de pesquisar e manter a guarda dos fósseis de megamamíferos (animais acima de 1.000kg), a “megafauna pré-histórica”, e de artefatos arqueológicos, especialmente os líticos, extraídos dos sítios da região. Claro que a ação do Muphi não se restringe apenas ao seu espaço edificado, pois entre seus objetivos estão: promover ações de preservação dos sítios pré-históricos (inclusive, por meio de parcerias, denunciando suspeitas de comercialização ilegal de fósseis e a depredação de regiões fossilíferas/paleoambientes), de fomento e promoção da divulgação científica, a educação patrimonial, o turismo cultural e a integração social das comunidades adjacentes aos sítios com os trabalhos de pesquisa e conservação. Ou seja, o Muphi é vivo, dinâmico e opera junto à comunidade – podendo gerar trabalho e renda –, não apenas a local nem mesmo nacional, mas devido à relevância e o interesse do tema, também internacionalmente.

Para tal, contará com alguns núcleos: administrativo, curador (rica e diversa reserva técnica de Paleontologia/Arqueologia, laboratório de conservação, sala de triagem, sala de equipamentos de escavação), expositivo (projeto expográfico: exposições permanentes, temporárias e itinerantes, memorial, área externa de jardim) e educativo e de comunicação (biblioteca, sala para cursos/oficinas, espaço-café, posto de referências turísticas, oficinas e palestras também itinerantes, publicações/divulgação científica), entre outras surpresas que preferimos não nos adiantarmos, mas que certamente vai encantar a todas e a todos, de todas as faixas etárias e interesses, que percorrerem o jardim, corredores e salões desse ansiosamente aguardado equipamento cultural público da Prefeitura de Itapipoca vinculado à sua Secretaria da Cultura.