Seria uma crônica sobre a chuva? Mais
uma, dentre tantas, não fosse o fato de que, ao entranhar a lembrança no
pensamento, senti chover-me no peito a chuvantiga. A quedar-me assim, comecei:
Numa das ruas do
Monte Castelo, seguia um barquinho de papel a correr-lhe pelas águas frias das
coxias. Sem pressa, sem pressa, chuá, chuá, imaginava: todas as
aventuras do mundo cabiam naquele barco a desmanchar-se lentamente enquanto
vaguejante por sobre um céu baço que parecia ser, na meninice, tão grande.
Nas calçadas,
buscando bicas, outros meninos e meninas saltavam felizes a tiritar, braços
cruzados ao peito, inda livre, crentes na simplicidade de uma vida a viver
ainda distante e muita.
À praça redonda,
as peladas nas areias corriam entre pernas ligeiras. Os menores piscinavam no
antigo chafariz coberto em mosaicos vermelhos que nem vi crescer, assim como
aquelas crianças.
Em volta, pretos
guarda-chuvas cumprimentavam-se com bons-dias domingosos; o peixeiro a cantar
para as freguesas aos portões; encimando os muros baixos, verdes em limos, as
buganvílias, afirmando um vaivém, dançavam; os cães a ladrar o estranhamento;
as águas cortinavam, de cores, arco-íris na varanda; as empregadas corriam a desroupar
o varal: “Chega, menina!”; o cheirinho de terra molhada entupia as narinas
quando os respingos frios — vinham das venezianas do quarto — jaziam no
travesseiro; o tactac repenicado no telhado acompanhava o grito do
vizinho no alto do muro do quintal; o quintal avermelhecido em acerolas.
Era manhã e na
sala inda escura o café esperava — passado no pano —, com leite, o pão francês
quentinho e a manteiga de lata.
O pai, a mãe, os
irmãos: nunca a mesa fora tão pequena.
Chovi com a chuva
a tarde que ribombava.
“Mundo, mundo, vasto mundo”... Ah, se
eu não me chamasse Raymundo, como vento gemeria, não em prosa, mas em poesia,
todo o vivido retrato que, só no escuro deste quarto, a rasgar os céus azula-me
o clarão, pela janela distraída do nublado coração.
Sempre ótimo, e levou-me aos tempos de criança na Vila Romero. Toda época tem seu encanto, mas as lembranças da infância parecem mais saborosas, doces e felizes. Abraço.
ResponderExcluirE parece que são, mesmo ciente de que tento guardá-las, mas reproduzi-las à infância de hoje, a dita maturidade, ou quase tércia idade. rsrs
ExcluirÉ boa mas queria uma menor pro meu trabalho do Colégio
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