sábado, 2 de julho de 2016

"Sem Futuros", de Raymundo Netto para O POVO


Futuro... O que esperar dele?
Muitas pessoas devotam horas e anos de sua vida na expectativa de virar a esquina e dar de cara com esse ser imaginário, quase um dragão a queimar as ventas e a gravar em tábuas de pedra – que decerto se perderão em braços de anjos – aquelas respostas acumuladas num sótão da vida sobre o seu venturoso porvir.
Outras, talvez tão equivocadas quanto as primeiras, acreditam realmente ter poder sobre o futuro, planejando e calculando cada milímetro de seu tecido entrançado, não apenas no elaborar de metas, mas acreditando piamente que tudo acontecerá no tempo medido, da forma moldada, como se tal futuro, ou seu primo, o destino, tivesse oiças para elas.
Há também aquelas cuja vida não lhes enchem os olhos, de maneira que a morte é o único futuro possível, desde que possa acolhê-las com pronta-entrega.
Desde pequeno, para mim, é como se o futuro não existisse! O que há é um hoje diário e insistente a reamanhecer preguiçoso e à noite ousar vestir-se de preto estrelado. É esse hoje de hoje que definirá o hoje de amanhã. Assim, o hoje se torna mais especial. É o que temos. É quem faz toda a diferença. Nada pode vir depois, se não vier a partir dele.
Para isso, no entanto, há um preço, ou mais de um, que são as escolhas que fazemos voluntariamente ou não durante todos os nossos hojes de uma vida.
Dizem que precisamos ter coragem para escolher, mas é preciso coragem mesmo é para suportar a dor da consequência dessas escolhas, pois seremos cobrados por elas e as consequências de nossa opção virão mais cedo ou mais tarde. Temos que contar com elas, caso contrário, seremos tomados por arrependimento e remorsos.
Em meus 49 anos, posso dizer que mereço tudo que não tenho. Cada coisa. No meu descaso natural, não planejo nada, não penso em futuro, não crio raiz, não acumulo posses, desconfio de tudo que seja “para sempre”, pois penso que o sempre, assim como o nunca, não existe, embora possa acontecer, sim, quase como um fenômeno.
Sou leal: como nos mesmos restaurantes e faço os mesmos pedidos. Saio com as mesmas pessoas e para os mesmos lugares, e, se duvidar, adoro reler livros e revistas. Gosto de fazer as mesmas coisas, embora não goste de rotinas.
O meu quitinetto é apinhado de coisas que não valem nada. E esse nada todo me é, e somente a mim, muito caro. E digo “caro” referindo-me à “moeda-afeto”, desvalorizada no mercado, mesmo quando raríssimo.
No meu afã de impedir que o tempo passe, todas as coisas são “plantadas” num lugar e dele não saem. Como fotografias. E eu respeito esses lugares, pensando duas vezes ou mais antes de trocar uma jarra de abacaxi por um micro-ondas ou um liquidificador.
Na minha casa, é como se todos os dias fossem iguais. Os hojes se encontram sem alarde ou pressa. Não sei usar agenda e, não fosse preciso, nem queria saber que dia seria hoje.
Por distração, sento-me no corredor e me passa uma imagem indesejada de futuro. Nela, canecas, latas, garrafas, livros, HQs, CDs, fotos, porta-copos, bules, bibelôs, tampinhas de adoçantes e minha cadeira de balanço em palhinha – a “companheira” – são despejados pela incompreensão e pelo vão preceito de sua inutilidade.
Para mim, o tal futuro é um enigma maior do que a mega-sena, só iluminado pelo silêncio e vazio no fim de tudo, a ausência certa sem acenos de despedida.
“Como será o futuro?”, se me perguntam, nem me atrevo a chutar. Pensarei no amanhã somente amanhã, quando este dia, se chegar, vier vestido de HOJE, carregado de flores e/ou de espinhos, tão meus quanto a vida inteira que ele encerra.


2 comentários:

  1. Caso amigo, fico muito feliz em revê-lo. Parabéns pelo texto.

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  2. Caso amigo, fico muito feliz em revê-lo. Parabéns pelo texto.

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