Sou de uma cidadezinha, Tamboril, que é uma aresta do Sertão dos Inhamuns (ladinho hoje apelidado de Sertão de Crateús), violenta por natureza.
Seca, de gente seca, de intrigas mil; todo tipo: divisão e limite de terras, arenga de vizinhança, cornagens várias, enfrentamento político... Raiva, birra. Motivo é o que falta (e principalmente o que não falta) pra se ter violência o ano inteiro, na festa de padroeiro (valei-me, Santo Anastácio, sem contar a violência do padre que derrubou as colunas centenárias feita ainda pelos escravos, trazendo tijolos de Pedra e Cal, para poder ser mais bem visto pelos fieis).
Agravamento pela massificação da violência e da bandidagem. Ponto de foco, as drogas que cercam e vencem os vilarejos mais afastados, escondendo-se pelas periferias da beira seca do Acaraú.
E não há uma família, tradicional ou não, que não tenha um descendente na droga, no crime, na rua... Na boca suja do povo.
Quase todas as proles têm estágios garantidos para os rebentos nos arredores da grande São Paulo, nas Rocinhas, Jacarezinhos do Rio. Voltam fugidos, sabidos, impõem o medo, fincam negócios, gastam o medonho medo de voltar.
Os que não vão pro “Sul”, garantem vagas nas periferias de nossa loirinha descamisada pelo sol.
Aqui: o lento tráfego para o inferno; nem mais esperam o próximo inverno.
Ah, guerreirinhos de fomes e sois de nossa sonsa loirota aguada, por que não se tornam políticos de caras redondas, por que não vão tomar uísque com feijoada nas tardes gris dos terraços do Ideal e outros clubes vis mais? Por que não tomam logo de assalto todas as mansões do Papicu e arredores? Por que se fincam em ruas sorrateiros a tomar de assaltos teus quase parentes de enfermidades? Por que desfilam impunes em suas feiras de Lagoinhas e Parangabas?
Sei, bem sei, que o peixe grande nada no fundo do mar, que só bota a cabeça pra fora d’água em lagoas límpidas...
Bandidinhos de panos alugam armas de policiais viciados... Drogas circulam de moto nas telentregas das aldeotas e fátimas... filhos de papaizinhos bebem êxtases com viagras sob o rabo do Dragão: saem em disparadas por todos os forrós da velha tribo, nos asfaltos os pegas de olhos de brasas...
No Centro uma dupla de moto arrasta o pacote das mãos do senhor de meia idade, uma coronhada e o riscar de pneus no sinal vermelho.
Depois da água com açúcar o aperreio e o medo: No pacote apenas os dois pães de resto da merenda da tarde, que ia levando pra Maria e a pequenina jantarem.
PEDRO SALGUEIRO é escritor e edita, junto com Jorge Pieiro, Geraldo Jesuíno e Raymundo Netto, o Caos Portátil: um almanaque de contos e, com Jesus Irajacy, Tércia Montenegro, Raymundo Netto, Nerilson Moreira e Glauco Sobreira, a revista Para Mamíferos.
Pedro, sempre impagável e em sua melhor forma...
ResponderExcluirPresença obrigatória nos meus pecursos urbanos!
Abraço.
Pedro, sobre esta pedra, crônica poética, estás edificando uma espécie de nova igreja literária: sem dogmas, sem rituais, mas repleta de mitos. Lítero-mitos, diga-se a bem da verdade. Não sei qual das verdades. A mais bela; para mim, sempre a 'desejada'.
ResponderExcluirAbraços.
É uma crônica denúncia, cortante porque não poupa a hipocrisia. É uma chance de desabafar, os que somos de lá, em face da cretinice dos valentões viciados que assombram a pequena cidade.
ResponderExcluirEpitácio Macário
Também tamborilense e professor