Não
há quem negue a importância do nome,
esta designação oficial de nossa existência dita cuja, seja ela a mais vã
impossível, atribuída seja por quem for, a nos acompanhar pela vida à morte,
falando de nós ou por nós como uma marca, às vezes como uma chaga.
Um nome bem escolhido nos coloca à
frente, principalmente quando inicial “a”, ou, ao contrário, nos diminui,
quando feio, cacofônico, antiquado, com sentido dúbio ou estranho, fruto do
engenho experimentalista dos pais.
Há tantos nomes bonitos, fortes,
significantes — em alguns países asiáticos realizam-se cerimônias dirigidas por
sábios que “adivinham” a função de mundo daquele ser e a coloca em seu nome —
mas na hora da escolha de um nome, os pais ou os enxeridos de plantão, os
“pitaqueiros”, esquecem de atentar para a criaturinha que o levará às costas,
às vezes, suportando o ridículo de uma predileção momentânea.
Meu nome é Raymundo Netto. Nasci numa
noite de São Pedro. Fogos estrepitavam nos céus e minha mãe não duvidava que me
nomearia “Pedro”, assim como meu pai, José Pedro, que nascera à mesma data.
Entretanto, papai dizia-lhe “Não. Ele terá o nome de meu pai: Raymundo!”
Chegava à minha mãe o tom grave do nome. Insistiu na tese “José Pedro Júnior”, afinal,
era tão raro um filho, e logo o primeiro homem, nascer no mesmo dia de um
pai... Mas este não vacilava: “Será Raymundo!”.
Minha vó Alice, a mãe de meu pai,
tentava: “Pedro Raymundo?”, porém, entendia a minha mãe: “Deus me livre, me parece
nome de sanfoneiro...”. Com a determinação insistente de meu pai, ela, desconsolada,
pensou: “Pelo menos será Raymundo Netto, e poderei chamá-lo por Netto”.
Certo assim ficou e nos ecos mais
longevos de minha vida, nem lembrava por um dia daquele Raymundo que parecia
não ser eu. Cresci sem precisar dele, não tendo por ele nenhuma afinidade, sem
encontrá-lo, apenas oficialmente, quase como um segredo de família ou uma
doença autoimune.
Até as professorinhas, nas reveladoras
chamadas de classe, o preteriam. As garotas da velha ponte que ainda não caiu, quando
não saciadas após o “Netto” apresentado, insistiam: “Netto de quê?”.
“Raymundo...”, e elas prosseguiam: “Pois então, Netto...”
É, o pobre do Raymundo não emplacava
mesmo. Um azarão, condenado a esconder-se sob uma máscara de ferro nas
masmorras cartoriais. Não fosse encargo de capa de livro, há vinte anos, inda
estaria por lá.
De assim, sempre na mesa larga de
família, em volta do casal paterno, vez ou outra, numa espécie de efeméride
infantil, tornava-se assunto: “Como vocês tiveram coragem de, olhando para
aquele ser indefeso, careca e banguela, gritar-lhe à cara: Raymundo?”. Era
graça, mas mamãe baixava os olhos e denunciava: “Foi o seu pai...”. Este
calado, não fosse com ele. Estranhamente, aqui constato: nunca me chamou por
toda a vida pelo primeiro nome. Nunca!
Há anos, numa dessas mesas
domingueiras, recorri como sempre, em momento de silêncio, ao assunto que até
me parecia engraçado. Mas, pela primeira vez, meu pai levantou-se, ainda
calado, dirigiu-se à porta da cozinha e, de lá, voltou-se de banda e afirmou:
“Se você quiser mudar o seu nome, pode mudar, mas eu escolhi para você o melhor
de todos os nomes: o do meu pai!”
“Se você quiser mudar o seu nome, pode mudar, mas eu escolhi para você o melhor de todos os nomes: o do meu pai!” - Aconteceu o contrário comigo, Raymundo: Meu pai recusou o nome sugerido por meu avô e hoje eu dou graças a Deus, porque ASDUBRAL seria terrivelmente angustiado para mim, num país onde a chacota com nomes alheios é quase uma filosofia prática ou religiosa. - Eu, Cayman, seu parceiro.
ResponderExcluirTu nasceste para ser um amigo e escritor...sua fã de carteirinha que te chama de garoto.
ResponderExcluirGosto do seu nome Raymundo Netto.
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