Então, novo ano, mas que não seja apenas
porque o calendário assim o exige.
A Cultura, no que diz respeito em
especial à gestão da "res-coisa
cultural", vai mal, "obrigadopornada". Não que isso seja uma
"oh, novidade", pois há anos a Cultura é vista como sobremesa —
e geralmente aquela que vem no final do cardápio, ou mesmo como brinde, parecida
com um adocicado e desgostoso cupcake
—
e nunca como prato principal.
No saber e no fazer da Cultura, ao
contrário, a máquina não para, felizmente, mesmo quando respira com auxílio de aparelhos.
Mas essa máquina teimosa não consegue rodar a todo vapor, pois falta-lhe o combustível
devido.
É de cortar o coração, quando se anda no
interior do Ceará, assistir ao esforço louvável de manutenção de teatrinhos ou
grupos de esquetes, bandas tradicionais ou artistas cênicos, grupos de
maracatus, jovens escritores alucinados com a possibilidade de ser uma Rowling,
ou de pequenos videomakers, quadrinhistas, artesão, mestres de cultura ou
outros filos de artes que pensam que se residissem na capital talvez tivessem alguma
oportunidade. Ah, e nós, hein? Enquanto isso, na desconcertante "sala da
injustiça", assisto a essas divulgações insistentes nas rádios e TVs de festas
patrocinadas pelo governo. "Grandes" espetáculos —
principalmente no que se refere ao tamanho do rombo deixado por pagamento de
cachês milionários — com o intuito de atrair o público, o
povo em geral, tão desconfortável e estranho diante de opções outras que não sejam aquelas
vinculadas a mídias vendidas e comerciais.
Sei que falar sobre isso, hoje em dia, é
quase profano, diante do patrulhamento ideológico, rotulista, e da hipócrita
ilusão do politicamente correto, que insiste, sobre o véu de seda da defesa e
respeito à diversidade, em empurrar nos bolsos de uns, o que não deixam nem de trocados
nos bolsos de outros. Ou seja, total desrespeito, pois a diversidade só é tema
na boca de bestalhadas oratórias e quando se quer justificar o pagamento para aquelas
estrelas de muitas luzes e pouco lastro, mas que parece não ter a menor importância quando
se trata de fomentar e difundir a produção local. Melhor dizendo, há, sim, uma
democratização da desvalorização de todas as linguagens, desde que sejam as
nossas, as do fundo de nosso capinesco quintal. Nem dança, nem literatura, nem
teatro, nem música, nem artes plásticas, nem coisíssima nenhuma. Ser artista nessa terra é como um
sacerdócio: faz-se pelo amor, recebe-se
pela caridade.
É triste e ridícula essa ideia de que o
artista local deva se apresentar — isso, quando ainda é lembrado — sempre de graça e sem precisar de apoio do
governo, quase por um heroísmo fanático em nome da pátria-amém, enquanto se
negocia a preço de ouro — comissões, comissões — o que vem fácil de fora,
independentemente do que possa contribuir para o engrandecimento cultural de
nossa gente, a maior parte certa de que no Ceará não existe nada disso: Arte,
Cultura, Patrimônio... "Ah, vá à Europa, à África, ao México, ao Timor
Leste... No Ceará, nunca vi nada disso!"
Creio, de verdade, que a nossa produção
artística e cultural tenha que aprender a andar com as próprias pernas,
entretanto, não vejo como, pois sem apoio governamental para dar um empurrão,
depender apenas da mídia espontânea, em produções "a custo zero",
além de dificultar a conquista de patrocinadores — em especial os nossos
empresários sem visão nenhuma, senão daquilo que lota de vazios e dos rodrigueanos
"cretinos fundamentais" —, não chamar atenção de público em geral — que
só entende do que ofusca a vista e faz balançar a bunda, principalmente se já
tiver cinco minutos de exibição no indegustável Faustão —, não tem como se
sustentar. E a vida? Viver para quê? Aliás, atualmente, o órgão de cultura de
maior atuação no Ceará é a COELCE, cabendo a ela decidir, sob bandeira de
Mecenato e no uso do que é público (o imposto não pago diretamente), o que lhe interessa
enquanto CULTURA. Ô, ironia. Será que por isso o Ceará é chamado de "Terra da Luz"? Pois que acendam as luzes e fechem as cortinas... E os
nossos museus sucateados e mantidos pelos próprios artistas que bancam as
exposições? E a biblioteca pública com seu maravilhoso acervo a derreter na
falta constante de refrigeração adequada; além da falta d'água nos banheiros e
ausência de concursos públicos prometidos há séculos? E a "Virada
Cultural"? Não chegamos ainda nem perto da curva...
Ora, deveria, sim, haver uma lei que
garantisse que, para cada centavo gasto nos caetanos, plácidos ou zé celsos, os
governos investissem proporcionalmente nos artistas/contribuintes locais. Ademais,
entretenimento é bom e necessário, mas, ao invés de se gastar tanto nesses
shows, por que não se desenvolvem políticas que assegurem a promoção de cursos
de formação artística, a elaboração de políticas editoriais de resgate do
patrimônio literário, campanhas de divulgação dos artistas e da produção local,
intercâmbios com outros estados e/ou países, maiores recursos para produção,
montagem e distribuição de mais e melhores bens de consumo e fruição cultural,
além de pesquisa e projetos de conservação do patrimônio histórico-artístico e
cultural, dentre tantas outras iniciativas certamente bem-vindas? Ora, meus
amigos, não nos enganemos, embora defendamos que temos que conseguir alcançar o
patamar da sustentabilidade, não podemos abrir mão do investimento de recursos
públicos na manutenção da Cultura, pois pagamos impostos e é nosso exercício
cidadão também exigir isso. Eu, pelo menos, de público, sou muito mais destinar
recursos e orçamento para a Cultura cearense do que para essa pré e pós
carnavalesca-xinfrim Copa do Mundo.
E por falar nisso a Secretaria da
Cultura do Estado não lança seu Edital de Incentivo às Artes há dois anos. A gestão anterior da
Secult conseguiu com talento não dar continuidade ao que vinha sendo feito desde
2004. A SecultFOR, há um ano, também não apresenta seu Edital de Artes. Estou meio cansado dessa "dança das cadeiras" onde as "pastas" têm
como "donos" os partidos aliados, ao invés de reconhecer a hegemonia
do povo, a razão de existir do órgão e, ao contrário, se detendo em interesses
políticos mais torpes e mesquinhos de lamber as botas do patrão, tudo em nome do poder.
Diante disso, teremos esse ano mais uma
Bienal Internacional do Livro, evento importantíssimo pelo barulho que faz em
torno do livro e da leitura — método revolucionário de transformação de
realidade social e humana —, ocupando o imaginário da população mais ocupada
com outras coisas, tipo violência, insegurança, novela, vida alheia... Mas, obviamente
sozinha, sem uma política que aproxime o leitor do livro, ou seja, enquanto apenas
evento, nem a Bienal, ou nenhum desses outros espetáculos aderentes do livro conseguirão
deixar sequer uma semente (ou marca) nesta terra.
E, por curiosidade, a epopeica construção
do tal "Acquário" custa somente cerca de 200 anos (DUZENTOS ANOS) do investimento
atual do projeto Agentes de Leitura no Ceará.
O mar não está pra peixe, nem pra
Cultura, pelo menos não por aqui, no Ceará.
Falaste e disseste tudo o que atrasa o desenvolvimento da Cultura em nosso Estado,Raymundo Netto.Temos que combater o descaso dos orgãos competentes.Ou serão incompetentes? "Temos que arder juntos.Se eu não ardo,se tu não ardes,se nós não ardemos,quem combaterá as trevas?"
ResponderExcluirO Chapolim Colorado? rsrs Desculpe, Zinah, não poderia perder essa deixa... Querendo aliviar, já está tudo muito tenso para meus lados... Abração.
Excluir"Caba" bom esse meu amigo Raymundo Netto! "Inté" parece comigo quando quero dizer a verdade doa a quem doer. Bom na linguagem, bom na verdade, bom na coragem... Bom não! Excelente!
ResponderExcluirVamos à luta! Se há revolução para tudo neste Brasil, então, façamos a nossa! Nossos artistas e nossos escritores, igualmente, o povo, merecem respeito. E os nossos governantes devem entender que, valorizar somente gente de fora é a maior prova de repúdio à sua terra.
Não faço revolução política porque não acredito nem em A nem em B. Como dizem os meus queridos matutos "são farinha do mesmo saco". Todavia, na hora de defender a CULTURA dou cacetada para todo lado. Conta comigo, caro e querido amigo!
Ah! e se estiveres disposto, por favor, coloca as minhas vírgulas no lugar correto, ok? Nunca aprendi a virgular, nunca aprenderei.
Esse Raymundo Netto, é mesmo um "cabra da peste". Corajoso. Determinado no tocante à CULTURA, a bem da verdade! É um homem de coragem!
ExcluirUrge que alcancemos o patamar da sustentabilidade, uma vez que não podemos abrir mão dos recursos públicos na manutenção da CULTURA. Como cidadãos, pagamos vultosos impostos e, temos o direito de exigir isto.
Lutemos! Aproveitemos a 'onda' de manifestações populares que insurgiram-se no nosso Brasil de agora e desde já, façamos a nossa REVOLUÇÃO CULTURAL. Afinal, nossos artistas, escritores e o povo, em geral, merecem respeito. Chega de valorizar gente de fora, pois é uma prova contundente de repúdio ao nosso povo, à sua gente.
Estou contigo, meu caro amigo!
Lucineide, nessas horas ninguém está nem aí para vírgulas. Ligue nisso, não. rsrsr Ruim mesmo essa harmonia política. Sem conflito não há drama, como diz o Zelito Viana. Nosso povo merece respeito e cultura é bem diferente do que paralelepípedo.
ExcluirRaymundo Netto um texto SUPIMPA, de cortar a realidade sem graça da CULTURA local, parabéns amigo, essa luta é nossa!!!
ResponderExcluirObrigado pela leitura, amigo.
ExcluirCaro Raymundo, a cultura está sendo objeto de outras secretarias voltadas para o incentivo da produção e consumo de mercadorias, ou melhor, de lixo. Esta é a lei do mundo atual. Você tem toda razão. Estamos juntos. Oswald Barroso
ResponderExcluirSim, isso é o que acho mais triste. Esses shows estão na mão do Turismo e da Casa Civil, não passam pela cultura que não tem vez nem voz, mas que pelo compromisso filial partidário fazem questão do silêncio. Esse silêncio só é ouvido mesmo por aqueles imersos legitimamente no mundo cultural. Reconhecemos quem é ou aquele que faz de conta que é. Obrigado pelo apoio.
ExcluirÉ uma tristeza falar em cultura no Ceará,no Brasil.Lembrando sempre que o povo colhe o que planta.Planta ignorância e a colheita tem sido farta!O Brasil é e será o pais do carnaval(cheio de palhaçada) e agregados:axé,sertanejo universitário,e outras que nem sei como se denominam.
ResponderExcluirSônia, o povo já começou errado quando votou em quem votou. Ô cidadania cara essa. Aliás, uma cidadania desequilibrada, pois sem as exigências, sem o controle fiscal ou participação orçamentária, é apenas dar carne a gato (ou rato, no caso).
ExcluirRaymundo, parabéns. infelizmente a nossa cultura regional passa despercebida ou ignorada mesmo, não estão preocupados em propagar o que é bom, estão preocupados em propagar o que "agrada", engana, aquilo que não alerta, não acorda, não sei quando as pessoas deixarão de lado o ter para começarem a saber, e a verdade dói e a ignorância mais ainda. Concordo com cada palavra que li, um dia quem sabe não muito distante poderemos apreciar os sabores da terra, sem exploração. Porque valorizar o que é nosso não é encarecer, é saber amar.
ResponderExcluirPolítica tem sido isso: Pão e Circo. Descobriram a fórmula barata (para eles, caro para nós). Cadê a oposição? Não há, desde que se ocupe um dos cabides, uma das secretarias, uma das regionais...
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ResponderExcluirTudo o que você fala faz sentido. Infelizmente, as Políticas Públicas, nesta área, deixam muito a desejar
ResponderExcluirDemais, Evan. Obrigado pela leitura, amiga.
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