terça-feira, 29 de setembro de 2015

"A Perplexidade e as Escolhas que Fizemos e Fazemos", de João Soares Neto


Ilustração: Rafael Limaverde, para o projeto Enem Projeto de Vida: profissão & carreira, da FDR

“Faço parte do mundo e no entanto ele me torna perplexo”.
Charles Chaplin
Viver é um ato de resistência. A cada instante somos forçados a tomar decisões. Há uma colisão, a rua fica interditada. Como pedestres, ciclistas, motociclistas, passageiros ou motoristas devemos chegar aos nossos destinos. Assim, por razões alheias ao previsto, decidimos: a) ficar parados; b) encontrar uma rua secundária para continuar o nosso caminho.
Se ficarmos parados, nada muda. Só ouviremos as buzinas, a espera interminável pela perícia e pelos guinchos. Viver é conviver com o imprevisto. Ao concluir o ensino médio, somos orientados por pais e professores a fazer escolhas. Eles nos sugerem o que acreditam ser o melhor para o nosso futuro. Mas, e a vida é cheia de “mas”, nós devemos – e precisamos – com a inexperiência de adolescente, refletir se o indicado é aquilo que realmente queremos.
E, cá para nós, é muito difícil fazer escolhas fundamentais em qualquer tempo de nossas breves, médias ou longas vidas. Não temos binóculos para ver o futuro, tampouco sabemos aonde a decisão nos vai levar. Entretanto, se tivermos lido bastante, poderemos seguir, talvez com menos riscos, o caminho novo que se nos abre, a partir das informações e das simulações mentais feitas instintivamente.
Depois da escolha, admitindo que fomos persistentes, estudiosos ou nem tanto, nos deparamos com o primeiro fim de linha. Agora, deixei de ser estudante, tenho uma profissão que escolhi e preciso fazer dela o meu meio de vida. E aí você fica só. A solidão é a companhia dos que procuram tomar decisões para continuar e não ficar engarrafados pelas colisões que o destino nos impõe a cada dia.
Assim, emergimos como profissional ou colaborador de empresa ou órgão governamental. Meio sem bússola vamos procurando o que fazer, como fazer, quando fazer e por que fazer. Não há no mundo real um GPS a indicar aonde chegar. Tudo é tentativa e erro. Nada que a tecnologia da segunda metade do século passado ou o seu emergente aprimoramento nestes primeiros 15 anos dessa nova centúria que é o 21, possa nos dar certeza.
A vida não oferta certezas. Ela sugere opções múltiplas. Temos, com o nosso cabedal de conhecimentos, um samburá para depositar nossas quase vitórias, as muitas desditas e os poucos acertos. O tempo não é aliado de ninguém. Ele simplesmente vai indo. Segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia.
Entre cada novo dia há uma noite em que, bem ou mal, paramos para refletir e dormir. Das reflexões e dos sonos emergem os sonhos. Os sonhos até hoje não foram bem explicados por neurologistas, psiquiatras, psicólogos e psicanalistas. Nem eles entendem os deles. Tanto é verdade que, de tempos em tempos, “a interpretação dos sonhos”, escrita por Sigmund Freud, sábio, mas conflitado, vai sendo alterada por tantas quantas são as correntes do pensamento científico ou humanístico.
Neste momento brasileiro, em que cada dia surge nova e alarmante revelação, não há como não entrar em engarrafamentos mentais, pois fomos nós os que colocamos os falazes que estão aí. Ou somos os que não fomos suficientes coesos para impedir as suas escolhas. Agora, não importa. O passado sempre chega com os seus fantasmas, as suas cobranças e as muitas mídias querem decisões e soluções que custam a chegar. Quando chegam.

Enquanto isso, porque não podemos parar para nos descobrimos com as manhãs que nos impõem agir com um mínimo de certezas e um balaio de dúvidas. Infelizmente, não possuímos a ventura de, como fez o poeta Fernando Pessoa, criar heterônimos diferentes para dividir e traduzir os nossos múltiplos humores, conflitos e sentimentos. Somos um só e já basta.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Depoimento de Dulce Helena Penna Soares sobre a 1ª edição da coleção Enem Projeto de Vida: profissão & carreira


Dulce Helena Penna Soares*

Gostaria de comentar sobre os fascículos da coleção Enem Projeto de Vida: profissão & carreira publicados no ano de 2014 pela Fundação Demócrito Rocha em parceria com a Secretaria da Educação do Estado do Ceará, que li com muito prazer e atenção. Em primeiro lugar destaco o ineditismo desta proposta. Já havia visto iniciativas semelhantes a esta na França, quando lá realizei meus estudos de doutorado, nos anos 1990.
Aqui no Brasil, no entanto, há uma carência de materiais em larga escala dedicados aos jovens, nos quais eles possam ler, discutir, refletir sobre temas tão decisivos em sua vida, mas que nem sempre encontram espaço nas escolas tradicionais.  Esses fascículos estão escritos de forma leve, numa linguagem acessível, mas com profundidade e conhecimento de causa. Nos meus mais de 30 anos de experiência nesta área, ainda não tinha visto um trabalho de conteúdo e fôlego como este.
Ele abrange os aspectos informativos essenciais para uma boa escolha, como a fundamental descrição sobre as profissões, nos aspectos mais formais, mas também na visão de futuro: Me formei, e agora?, e expõe aspectos importantes do dia a dia da universidade, como a possibilidade de bolsas e auxílios aos estudantes. Também traz um glossário acadêmico onde apresenta as tantas palavras que o jovem vai se deparar ao ingressar nas instituições de ensino superior e que muitas vezes nem imagina o que signi fica. Explicações sobre o que é Enem, Prouni, Sisu e outros tantos programas que o(a) jovem tem pela frente, são essenciais.
Também apresenta textos reflexivos, muito bem escritos, que provocam e abordam questões sobre o conhecimento de si mesmo, sobre valores e competências individuais e ainda sobre o PROJETO DE VIDA. Sem a definição desse projeto, não conseguimos organizar nossa vida, nosso futuro.
A coleção discorre sobre o influência e participação da família no processo de escolha dos jovens, e da importância da conversa sincera entre pais e filhos, que só vem a contribuir para uma melhor resolução da escolha.
Gostei muito dos depoimentos de jovens na sessão Aconteceu comigo!, quando falam com muita verdade sobre suas escolhas, as dificuldades e os acertos. Ficou muito legal esta parte, assim como o Enem + Dicas, com informações bem importantes que valem a pena levar em conta!
Para ajudar num melhor conhecimento de si mesmo, os fascículos apresentam exercícios, palavras cruzadas, questionários etc, todos muito bem elaborados.
O texto é bem organizado, com características lúdicas, cores, ilustrações adequadas, de forma que só tenho a elogiar e desejar que os jovens utilizem, sublinhem, marquem bem esse material, tirem as suas dúvidas e discutam com professores, familiares e amigos sobre todas essas questões referentes à importante escolha de uma profissão.  


(*) Dulce Helena Penna Soares é psicóloga, pós doutora em aposentadoria e tempo livre (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), doutora em psicologia clínica (Universidade Louis Pasteur Strasbourg), professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina onde criou e coordenou, durante 25 anos, o Laboratório de Informação e Orientação Profissional (www.liop.ufsc.br) e criou a disciplina Planejamento de Carreira: uma orientação para universitários. É fundadora e conselheira da Associação Brasileira de Orientadores Profissionais (ABOP). Publicou inúmeros artigos em revistas cientificas e coordenou e presidiu vários eventos no Brasil de Orientação Profissional e de Carreira. Possui vários livros publicados em editoras de grande porte, iniciando com a questão da escolha da profissão, depois com o planejamento de carreira e, atualmente, em orientação para a aposentadoria.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

"Ensaio para Crônica", de Raymundo Netto para O POVO


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No Brasil, podemos afirmar que a crônica está para a literatura, assim como o samba está para música. Afinal, quem não gosta de samba bom sujeito não é; quem não gosta de crônica também não.
O fato é: nossas crônicas, todas as boas ou todas as más, mesmo as falsas e as miseráveis, parafraseando um Chico, como nossos sambares, serão bonitas, não importa são bonitas.
Há de boçais pregarem ser a crônica um gênero menor. Bobagem! Gênero menor é o conto, onde se dá por escrever menos. E o que dizer da poesia, uma garatujazinha trepada em degraus em proposta frustrada do indizível?
In verbis ou on verbis, contextualizada a questão de quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha, arriscamos afirmar que foi a crônica, e que esta não é pinto não.
O também cronista Pedro Salgueiro, atento aos meus desastres de vida, costuma dizer: “Rapaz, tinham que inventar um emprego de ‘fazedor de sala’... Acho que nele você se daria bem.” Pois é, escrever crônica é meio que fazer sala, bater papo, jogar conversa fora. Advirto, entretanto, que a escrita poupa o leitor da decepção presencial daquele indivíduo muitas vezes mais interessante por trás de suas palavras. Aquele que, num primeiro ou segundo momento, há de revelar o pensamento disperso, de engolir as últimas sílabas quase impronunciáveis, de gaguejar em digressões extensas sem hora de ter fim, ou de, subitamente, mostrar a face apática de quem se apercebe a qualquer instante que falar sobre a mais bruta bobagem pode ser mais interessante do que versar sobre teorias literárias, acordos ortográficos e gêneros textuais.
Por outro lado, o cronista, por excelência, é um bom ouvidor. Aliás, andar em ônibus e ouvir a conversa alheia são alguns dos instrumentos de trabalho do cronista. Ler jornais, ouvir rádio, prestar atenção nos feitos de outrem, seja numa agência bancária, num banco de praça, em restaurante, em corredores de hospitais e mesas de bares, também ajuda. Em contradição, a falta de assunto é, de longe, um dos melhores e mais frequentes estímulos para o autor. Diante dela, do branco evidencial, cria-se de um tudo, a partir sempre da recorrente constatação: não sei mais o que escrever! (e eu preciso mesmo?)
O Airton Monte, eterno cronista d’O POVO, que o diga. Dias há em que conversava até com as formigas na calçada para extrair-lhes alguma doçura, mesmo que esta, a todo esforço, ainda vingue por adoçante.
Daí, o cronista, como convidado do café da manhã de seus leitores, ter a oportunidade de salvar o dia ou azedá-lo completamente, a partir de uma piada bem colocada ou da constatação inequívoca de nossa total inabilidade para viver neste mundo – existem outros, acredito.
E é nisso, enfim, que reside ainda a possibilidade da crônica, no seu fazer, que deveria ser de todo assim: olhando no olhos, puxando firme o cabelo à altura da nuca, dando ordens ao pé da orelha, e, se couber, dando uns tapinhas, com toda a gentileza que só quem traz um grande amor pode entender.