terça-feira, 28 de agosto de 2018

Exposição Inédita "O Ordinário Rafael Sica", dia 30.8, às 19h, Caixa Cultural



A CAIXA Cultural Fortaleza apresenta, de 30 de agosto a 4 de novembro de 2018, a exposição O Ordinário Rafael Sica. Com mais de 150 obras, a mostra faz um panorama de 15 anos da trajetória do artista gaúcho, que é um dos principais nomes das histórias em quadrinhos da atualidade.
Rafael Sica é dono de um traço único que preza a riqueza de detalhes em uma narrativa silenciosa, mas extremamente contundente. Grande parte de sua obra é composta por quadrinhos sem textos, característica encarada por muitos críticos como um dos grandes diferenciais de seu trabalho. A ausência dos diálogos se mostra como uma abertura à interpretação do leitor: “Existe uma narrativa, mas é gráfica, visual. Exige que o leitor complete o trabalho. Fui tirando o texto das tiras, diminuindo o número de palavras, fui me dando conta de como isso potencializava as interpretações”, explica Sica.
A produção de Rafael Sica traz questionamentos sobre o modo de vida do indivíduo urbano. Suas tiras são minicontos que fogem do óbvio e da piada, e com um diferenciado tom surrealista, trazem críticas às neuroses das grandes cidades e à massificação das pessoas afogadas na rotina pós-moderna.
Para a abertura da exposição “O Ordinário Rafael Sica”, o quadrinista preparou uma publicação inédita, de tiragem limitada e distribuição gratuita ao público presente. Além disso, nos dias 31 de agosto, 1 e 2 de setembro, Rafael Sica produzirá um painel na galeria, onde os visitantes poderão acompanhar, ao vivo, o processo de criação do artista.
A curadoria é do artista e pesquisador cearense Weaver Lima, que reúne em sua carreira a curadoria de exposições na área dos quadrinhos como “Luiz Sá - 100 anos”, “Monstra Comix”, “HQ CE”, “Desenhomatic LTDA”, “Seres Urbanos - Fanzines 90’s”, entre outras. 

Sobre Rafael Sica
Nascido em 1979, em Pelotas (RS), Rafael Sica é reconhecido como um dos mais importantes autores de sua geração. Começou sua carreira na segunda metade dos anos 1990, publicando charges e tiras em jornais da sua cidade. No início dos anos 2000 passou a publicar no jornal Folha de S. Paulo e na internet lançando o blog “Ordinário”. A página foi criada com o objetivo de ser um portfólio virtual, mas acabou se transformando em um dos mais acessados sites de quadrinhos do país. Venceu por duas vezes o Prêmio HQ Mix nas categorias Novo Talento (2005) e Web Quadrinhos (2009). Em 2008, realizou “Cinza-Choque” sua primeira exposição individual no Museu do Trabalho, em Porto Alegre-RS. Tem livros publicados por diversas editoras do país: “Ordinário” (Companhia das Letras, 2011); “Tobogã” (Ed. Narval, 2013); “Novela” (BebelBooks, 2014); “FIM – Fácil e Ilustrado Manifesto” (Editora Beleléu, 2015); “Fachadas” (Editora Lote 42, 2017). Em 2017, foi convidado para participar do “Projeto Baiacu”, criado por Angeli e Laerte - uma residência artística na Casa do Sol, do Instituto Hilda Hilst, que resultou na revista “Baiacu” (Editoras Cachalote e Todavia, 2017). Sica também é um dos criadores da “Parada Gráfica”, evento anual que acontece em Porto Alegre-RS e reúne artistas da cena gráfica independente brasileira.


 Serviço:
Exposição: O Ordinário Rafael Sica
Local: CAIXA Cultural Fortaleza
Endereço: Av. Pessoa Anta, 287, Praia de Iracema
Data: 30 de agosto a 04 de novembro de 2018 (abertura no dia 30 às 19h)
Horários: De terça a sábado, das 10h às 20h | domingo, das 12h às 19h
Classificação indicativa: 14 Anos


sábado, 25 de agosto de 2018

"Amor Sombrio" (parte I e II), na íntegra, de Raymundo Netto para O POVO



Você já vai embora? Assim?”
Estava insegura, mas tinha que abordá-lo antes que ele saísse por aquela porteira. Era noite e ela sabia: ele teria que caminhar muito até a estação. Sem entender o porquê da pergunta, o rapaz acomodou a mochila às costas: “Sim, claro. Você não sabia?”
Ofegante, ela mordia o lábio inferior, buscava as pontas dos dedos e das unhas e, depois de apertar os olhos, o fitou novamente, quase não conseguindo lhe falar: “Não está se esquecendo de nada?” Ele colocou as mãos nos bolsos da calça, da jaqueta, e sorriu: “Não, creio que não...” Então, trêmula, pegou a mão dele, passou em seu rosto, acolheu entre suas mãos em um abraço no peito e chorou: “E de mim? Você não está se esquecendo de mim?”
Taveira era jornalista. Designado a fazer uma matéria no interior, hospedou-se em uma fazendola de um casal de agricultores. Eles eram idosos e tinham como única filha e companhia uma moça de 18 anos, Laura, cuja maior parte da vida estava cerceada ali, como aquele terreno de seus pais.
Ele, por indicação e por ser útil à matéria encomendada, quedou-se naquele sítio. Durante 15 dias, seria Laura quem o atenderia em suas necessidades, fazendo-lhe ou lhe trazendo as refeições, preparando seu banho, lavando e passando-lhe a roupa, trazendo-lhe o gostoso café passado no pano, segundo a mãe, a sua especialidade. A moça, quase muda, por vezes o acompanhava quando precisava se dirigir a qualquer lugar naquela região. Na verdade, a sua presença silenciosa e esguia por pouco não era notada por Taveira, sempre concentrado e envolvido em sua escrita ao computador. Entretanto, quando ele precisava, logo a percebia à sua volta, fazendo qualquer coisa, fosse varrendo, arrumando a cama, bordando, lendo ou mesmo não fazendo nada. Estava sempre ali, orbitando, à sua disposição. Mesmo assim, ele nunca imaginaria que, por trás daquela dedicação, pudesse haver qualquer sentimento. Até que, naquele instante, diante dele, ela, entre soluços suplicantes, lhe confessaria, arrasada: “Eu te amo tanto!”
Impactado, ele, que só conhecia o amor de oitiva, paralisou. As nuvens escuras se abriram, revelando uma lua gigante a incendiar um clarão feito holofote no rosto dele, quando respondeu a ela: “Mas eu não amo você...”
Como lancetada pela dureza fria daquelas palavras, tomada de vergonha, ela deu meia-volta e, chorando, correu desabalada ao jardim da sua casa. Sem saber o que fazer, Taveira chamou por seu nome, uma ou duas vezes, quis acompanhá-la, mas achou por bem abrir a porteira e partir. Tinha que partir.
Na noite seguinte, em seu apartamento, ao deitar, uma surpresa: Laura lhe apareceu em sonho, nua e linda. Num absurdo, podia sentir o calor de seu corpo, de seu hálito, de seu beijo. “Eu te amo tanto!”, repetia ela, com olhar fixo ao seu, enquanto movia lenta e precisamente o seu corpo. Ele não conseguia entender, mas aquela moça, pela qual não sentia nada, o possuía completamente. Estranhava, porém, não querer acordar, e se entregava àquela volúpia a lhe tomar o espírito e a razão. Como fora possível não perceber tanta doçura, tanto encanto nela? E, a partir daquela noite, em todas, todas as demais, nunca mais conseguiu dormir sem ser completamente arrebatado por ela, a extrair dele todos os seus desejos mais secretos.
***
“Deixe-me, pelo amor de Deus. Me esqueça, mulher!”
Taveira mais uma vez despertava delirante, em suores, enlouquecido. Há mais de uma semana não dormia uma noite sequer, seduzido pela inquietante e noturna visita de Laura, em sonho, a proporcionar-lhe prazeres antes inconcebíveis. Porém, diante daquela sua dominação, vivia exausto, doído, sem conseguir concatenar qualquer ideia ou escrever qualquer coisa.
Cedo, diante do espelho, a revelar o seu péssimo estado, ainda podia ouvir, pela enésima vez, a voz de sua amante onírica a sussurrar “Eu te amo tanto!”
Arrastava-se sonolento à calçada naquela manhã, quando cruzou com uma mendiga de medonha aparência a esmolar sentada e encostada à parede. Ela o pegou pelo tornozelo e apontando para o chão, anunciou: “Hômi, cê tem mermo duas sombras?”
Taveira, no susto, não conseguiu acreditar: estavam ali, sim, impressas na calçada, as ditas sombras apontadas pela mulher. Saltou para trás, tentou chutá-las, sair de cima delas, mas era impossível se libertar daquilo. A mulher ria: “Cê negou um amô debaixo de luar, pisando na sombra dela, num foi?” Meneou a cabeça como coisa sem jeito: “Nunca mais que ela vai se esquecer docê...”
Ainda admirado com o fenômeno e, de assalto relacionando-o com a suas noites cativas, em desespero, pôs-se a sacudir a velha: “E o que é que eu faço, minha senhora? O que eu devo fazer para me livrar dessa, dessa... maldição?”
A mulher o rejeitou furiosa. Como se enojada, olhou-o de cima abaixo: “Ela deve de tá morrendo, num sabe? Uma pessoa sem sombra num é nem mais gente. Oxe, devolve pra ela o que cê roubou!” “Mas devolver o quê? A sombra?”, insistia ele: “Eu tenho que devolver a sombra dela?”
A velha acocorou-se novamente sobre os tornozelos magros, colocou as mãos em pala na testa e murmurou com estranho desânimo: “O seu coração!”
Naquilo, Taveira sentiu o golpe no peito. Durante os próximos dias, temia e evitava caminhar sob o sol. No escuro do quarto, chorava ao vê-la novamente entrar pela janela, deitar sobre ele, roçar o rosto ao seu, abraçando-o, a revelar sempre como em uma primeira vez: “Eu te amo tanto!”
Não suportando mais a angústia, mesmo sem saber o que iria fazer, se pedir perdão ou ameaçá-la, ainda cedo partiu para o sítio onde a conhecera. Desceu na rodoviária e caminhou algumas léguas de terra batida, aterrorizado, assistindo àquelas sombras projetadas a caminhar lado a lado, se encontrando a cada passo.
Chegando, abriu a porteira e bateu palmas. Não sendo recebido por ninguém, entrou na casa. O pai de Laura estava na sala, sentado em sua poltrona, alheio. Mesmo sendo chamado, não emitiu um som, nem único movimento. A sua esposa, com olhar quebrado, surgiu à porta da cozinha: “Ele não fala, não vê, não faz mais nada desde que a nossa menina se foi. Você não imagina como é duro para os pais ter que enterrar a própria filha.”
Na sequência, sentada ao lado do marido, contou da moléstia repentina que a tomou trágica e fatalmente em poucos dias. “O doutor nunca vira aquilo. E tão moça...” Nisso, Taveira, mudo, se dirigiu à cozinha, passou um café no pano, com estranha habilidade de costume, trouxe ao casal, e os amparou até o resto de seus dias.
Às noites de luar, poderia ser visto, à varanda, bordando qualquer coisa e admirando as teias de aranhas que cresciam e encobriam completamente toda aquela casa.




quinta-feira, 16 de agosto de 2018

III Feira do Cordel Brasileiro - 16 a 19 agosto - Programação Completa

Clique na imagem para ampliar!


De 16 a 19 de agosto, das 14 às 21h (no domingo, das 14 às 19h), acontecerá em Fortaleza, na Caixa Cultural, a III Feira do Cordel Brasileiro. A ação, cuja curadoria é de Klévisson Viana, reunirá cordelistas, pesquisadores, compositores, xilogravadores, declamadores, folheteiros, entre outros, em exposições, apresentações e oficinas.
A ação já faz parte do calendário cultural cearense, um encontro ímpar, reunindo o melhor do Cordel brasileiro.
Contato (e-mail): aestrofe@gmail.com
Telefone: (85) 3023-3064

Confira a Programação Completa
16 de agosto (quinta-feira)
Teatro
14h – Solenidade de abertura com a presença dos mestres do cordel e da cantoria | Apresentação “A Saga de um vaqueiro” – Escola José Antão de Alencar Neto (Pio IX/PI)
15h – Mesa “Literatura Popular, na escola, tem lugar” com o pesquisador Arievaldo Viana (Caucaia/CE) e os professores Stélio Torquato (Fortaleza/CE) e Paiva Neves (Fortaleza/CE) – Mediação: Professor Carlos Dantas(Fortaleza/CE)
Café Luiz Gonzaga
17h – Lançamento do livro “No tempo que os bichos estudavam” de Paulo de Tarso, o poeta de Tauá (Fortaleza/CE)
Palco Leandro Gomes de Barros
17h30 – Recital com Raul Poeta (Juazeiro do Norte/CE), Rafael Brito(Fortaleza/CE) e Pedro Paulo Paulino (Canindé/CE)
18h10 – Show interativo de voz e violão “Cante lá que eu toco cá” com o Mestre Gereba Barreto (Salvador/BA)
19h10 – Cantoria com o Mestre Geraldo Amâncio Pereira (Fortaleza/CE) e Guilherme Nobre (Fortaleza/CE).
20h – Recital com o mestre Chico Pedrosa (Olinda/PE)
20h30 – Show com o rabequeiro e cordelista Beto Brito e Banda (João Pessoa /PB)
17 de agosto (sexta-feira)
Sala de Ensaio
14h – Oficina de xilogravura com os mestres João Pedro de Juazeiro (Fortaleza/CE) e Francorli (Juazeiro do Norte/CE)
Teatro
15h – Aula-espetáculo “Imagens da Ficção Científica no Cordel” com o escritor, compositor e estudioso Bráulio Tavares (Rio de Janeiro/RJ)
Café Luiz Gonzaga
16h20 – Lançamento dos livros “Rapunzel em Cordel” e “A onça com o bode”, de Sérgio Magalhães e Kátia Castelo Branco (CE)
Palco Leandro Gomes de Barros
17h – Recital com os poetas Evaristo Geraldo da Silva (Alto Santo/CE), Julie Oliveira (Fortaleza/CE), Lucarocas (Fortaleza/CE), Antônio Marcos Bandeira (Fortaleza/CE) e Ivonete Morais (Fortaleza/CE)
Café Luiz Gonzaga
18h – Lançamento do livro em cordel “Andei por Aí: Narrativas de uma Médica em Busca da Medicina (2ª edição – revista e ampliada)”, de Paola Torres (Fortaleza/CE)
Palco Leandro Gomes de Barros
18h20 – Apresentação musical de Paola Torres (Fortaleza/CE)
19h – Recital com o mestre Chico Pedrosa (Olinda/PE) e Rafael Brito (Fortaleza/CE), com participação especial do cordelista Beto Brito (João Pessoa/PB)
Café Luiz Gonzaga
20h – Lançamento do livro “Orixás em Cordel”, do mestre Bule-Bule (Camaçari/BA) e de Klévisson Viana (Fortaleza/CE)
20h20 – “Chulas, Sambas e Licutixos” com o mestre Bule-Bule (Camaçari/BA)
18 de agosto (sábado)
Sala de Ensaio
14h – Oficina de cordel com Rouxinol do Rinaré (Fortaleza/CE)
Teatro
15h – Mesa “Cordel – Memória e Contemporaneidade” com a pesquisadora do IPHAN Rosilene Melo (São Paulo/SP), o cineasta Rosemberg Cariry (Fortaleza/CE) e o advogado, documentarista e cordelista Valdecy Alves (Senador Pompeu/CE). Mediação: Cordelista Eduardo Macedo (Fortaleza/CE)
Café Luiz Gonzaga
17h – Lançamento do livro “No Tempo da Lamparina”, de Arievaldo Viana (Caucaia/CE), com participação especial de Gereba Barreto (Salvador/BA)
Palco Leandro Gomes de Barros
17h40 – Recital com o garotinho Moisés Marinho (Mossoró – RN)
18h – Show e lançamento do CD “Marcus Lucenna, na Corte do Rei Luiz”, com Marcus Lucenna (Rio de Janeiro/RJ) – Participação especial de Tarcísio Sardinha (Fortaleza/CE) e Adelson Viana (Fortaleza/CE)
Café Luiz Gonzaga
19h – Lançamento do livro “Poesia em gotas diárias”, de autoria de Padre Tula (Edições Karuá)
Palco Leandro Gomes de Barros
19h30 – Declamação com o mestre Chico Pedrosa (Olinda/PE)
20h – Cantoria com Zé Maria de Fortaleza e Tião Simpatia.
20h40 – Apresentação com os mestres Bule-Bule e Gereba Barreto
19 de agosto (Domingo)
Teatro
14h – Mesa “Cordel Brasil-Portugal: o fio que nos conecta” com os pesquisadores Marco Haurélio (São Paulo/SP) e Antônio de Abreu Freire (Portugal). Mediação: Oswald Barroso (Fortaleza/CE)
Café Luiz Gonzaga
16h – Lançamento dos cordéis “As histórias das plantas” e  “Padagogia do oprimido” de Francisco Paiva Neves (Fortaleza/CE) e do “Amor no tempo de chumbo” por Nando Poeta (Natal/RN)
Palco Leandro Gomes de Barros
16h30 – Recital da despedida com Raul Poeta, Evaristo Geraldo da Silva, Leila Freitas, Arievaldo Viana, Bule-Bule, Lucarocas e Chico Pedrosa
17h30 – Canções de viola com o mestre Zé Viola (Teresina/ PI)
Pátio externo
18h30 – Coco do Iguape (Iguape/CE)

domingo, 12 de agosto de 2018

"Amor Sombrio" (parte I), de Raymundo Netto para O POVO




Você já vai embora? Assim?”
Estava insegura, mas tinha que abordá-lo antes que ele saísse por aquela porteira. Era noite e ela sabia: ele teria que caminhar muito até a estação. Sem entender o porquê da pergunta, o rapaz acomodou a mochila às costas: “Sim, claro. Você não sabia?”
Ofegante, ela mordia o lábio inferior, buscava as pontas dos dedos e das unhas e, depois de apertar os olhos, o fitou novamente, quase não conseguindo lhe falar: “Não está se esquecendo de nada?” Ele colocou as mãos nos bolsos da calça, da jaqueta, e sorriu: “Não, creio que não...” Então, trêmula, pegou a mão dele, passou em seu rosto, acolheu entre suas mãos em um abraço no peito e chorou: “E de mim? Você não está se esquecendo de mim?”
Taveira era jornalista. Designado a fazer uma matéria no interior, hospedou-se em uma fazendola de um casal de agricultores. Eles eram idosos e tinham como única filha e companhia uma moça de 18 anos, Laura, cuja maior parte da vida estava cerceada ali, como aquele terreno de seus pais.
Ele, por indicação e por ser útil à matéria encomendada, quedou-se naquele sítio. Durante 15 dias, seria Laura quem o atenderia em suas necessidades, fazendo-lhe ou lhe trazendo as refeições, preparando seu banho, lavando e passando-lhe a roupa, trazendo-lhe o gostoso café passado no pano, segundo a mãe, a sua especialidade. A moça, quase muda, por vezes, o acompanhava quando precisava se dirigir a qualquer lugar naquela região. Na verdade, a sua presença silenciosa e esguia por pouco não era notada por Taveira, sempre concentrado e envolvido em sua escrita ao computador. Entretanto, quando ele precisava, logo a percebia à sua volta, fazendo qualquer coisa, fosse varrendo, fazendo a cama, bordando, lendo ou mesmo não fazendo nada. Estava sempre ali, orbitando, à disposição dele. Mesmo assim, ele nunca imaginaria que, por trás daquela dedicação, pudesse haver qualquer sentimento. Até que, naquele instante, diante dele, ela, entre soluços suplicantes, lhe confessaria, arrasada: “Eu te amo tanto!” Impactado, ele, que só conhecia o amor de oitiva, paralisou. As nuvens escuras se abriram, revelando uma lua gigante a incendiar um clarão feito holofote no rosto dele, quando respondeu a ela: “Mas eu não amo você...”
Como lancetada pela dureza fria daquelas palavras, tomada de vergonha, ela deu meia-volta e, chorando, correu desabalada ao jardim da sua casa. Sem saber o que fazer, ele chamou por seu nome, uma ou duas vezes, quis acompanhá-la, mas achou por bem abrir a porteira e partir. Tinha que partir.
Na noite seguinte, em seu apartamento, ao deitar, uma surpresa: Laura lhe apareceu em sonho, nua e linda. Num absurdo, podia sentir o calor de seu corpo, de seu hálito, de seu beijo. “Eu te amo tanto!”, repetia ela, com olhar fixo ao seu, enquanto movia lenta e precisamente o seu corpo. Ele não conseguia entender, mas aquela moça, pela qual não sentia nada, o possuía completamente. Estranhava, porém, não querer acordar, e se entregava àquela volúpia a lhe tomar o espírito e a razão. Como fora possível não perceber tanta doçura, tanto encanto nela? E, a partir daquela noite, em todas, todas as demais, nunca mais conseguiu dormir sem ser completamente arrebatado por ela, a extrair dele todos os seus desejos mais secretos.

(CONTINUA EM 15 DIAS)

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

"Teatro B. de Paiva", em 3 atos, por Ricardo Guilherme



TEATRO B
Teatro B. de Paiva. Era este o título de um artigo meu, publicado pelo jornal O POVO, em 23 de janeiro de 2011. Reivindicava essa denominação para o Teatro situado entre as duas salas de cinema do Centro Cultural Dragão do Mar, espaço que, aliás, ainda em 2018 continua sem um nome específico.
Porém, agora, com a instalação do projeto Porto Dragão nas dependências do antigo Sesc Iracema (Rua Boris) a figura de B . de Paiva é lembrada para denominar a sala de espetáculos que Dane de Jade e eu implantamos em 3 de outubro de 2005, com material cênico oriundo do Teatro Radical que encerrara atividades em 2000. Nesta data encenei ali o solo “A Divina Comédia de Dante e Moacir” e no dia seguinte iniciei sob o patrocínio do Sesc um projeto de orientação de dramaturgia e encenação denominado Interlocução Teatral
A homenagem ao teatrólogo cearense B. de Paiva procede. E recomendável seria que o Governo do Estado pudesse comprar o prédio, pois a sua ocupação via aluguel não garante de todo a sobrevivência da iniciativa.
B. DE PAIVA
B. de Paiva (de 1932) é de Fortaleza. Em Teatro, sua trajetória começa nos anos 1940, como ponto, soprando as falas dos atores no Conjunto Sacro-Dramático do velho Rufino Gomes de Matos. Era, então, àquela época, apenas o Zé Maria da dona Mazé do Seu Paivinha. A denominação B. de Paiva surgiria na década 1950, sob a inspiração de Cecil B. de Mille. Antes, José Maria Bezerra Paiva, aquele Zé franzino, da perna torta, uma espécie de Mané Garrincha do teatro, vivia mambembeando pelos círculos operários, como um aprendiz de Dionisos.
Gerado na escuridão dos porões da ribalta e parido pelo ventre iluminado à meia luz do buraco do ponto, esse dramaturgo, ator, diretor teatral esteve de 1954 a 1959 trabalhando com Paschoal Carlos Magno no Rio de Janeiro, e, em 1960, voltou à sua pátria-cidade para criar o Curso de Arte Dramática da UFC. Aqui, dirigindo o Teatro Universitário e a Comédia Cearense, liderou não apenas o movimento das artes cênicas do Ceará (até 1967), mas também o processo pela criação em Fortaleza da primeira Secretaria da Cultura do Brasil. Depois, outra vez radicado no Rio, fez-se diretor do Conservatório Nacional de Teatro e, posteriormente (1974-1977), reitor da FEFIERJ (berço da UNI-Rio), quando então tornou-se um dos precursores da implantação do ensino universitário de Teatro.
No início dos anos 1980, e por toda a década seguinte, o nosso B. passou a viver em Brasília onde dirigiu a Fundação Brasileira de Teatro, implantada por Dulcina de Moraes.
B. de Paiva protagonizou, no início do século XXI, ações culturais da Universidade Federal do Ceará e também dirigiu, por certo tempo, o Colégio de Direção do Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura que agora o homenageia.
ACERVO
Atualmente B. De Paiva reside em Fortaleza. Seu acervo (livros, fotos, filmes, vídeos, documentos, cartazes, programas etc.) continua, no entanto, encaixotado no Distrito Federal. Deveria ser assumido pelo Estado, via Secretaria da Cultura. Poderia até estar exatamente no mesmo centro cultural que agora sedia o Teatro B.de Paiva.

Ricardo Guilherme
ator, dramaturgo, contista e pesquisador da memória do teatro