Publicada originalmente no jornal O POVO em dezembro de 2010
Por hábito, em tempo demais diante deste
monitor, passeio pelos cantos da casa.
Num desses, alonguei-me à cozinha,
esbarrando com o cesto de roupas estranhamente deslocado. Conhecendo o método
da esposada, senti-lhe o esquecimento, e daí, vítima que sou da convivência
cordial (poderia simplesmente fingir não ter visto que todos acreditariam,
assim como fazem meus iguais) decidi eu mesmo pôr ao sol, no varal de chão da
varanda, tais roupas.
Foi quando me dei conta de que tudo
aquilo eram calcinhas (de minha esposa e das duas filhas). Pus-me a estender,
uma a uma, a calcinhada. Na hora (quem escreve está sempre pensando bobagens),
lembrei-me de uma amiga que defende: os homens acreditam que cuecas nascem, no fundo
escuro de suas gavetas, por geração espontânea! Obrigo-me a concordar. Conheço
várias mulheres que estranham o infindável tempo de vida de nossas cuecas. Com
meu pai também era assim. Geralmente, são elas, as esposas, que se ocupam de nos
renovar o acervo. Ao contrário, nós, homens, somos tomados pelo espanto do nada
suficiente das mulheres: nem calcinhas, nem sapatos e imagine o que mais...
Elas são muitas dentro de uma só, justificada a complexidade de suas
irresistíveis almas femininas. Comecei a pensar se existiria uma média racional
entre o número de calcinhas para cada sutiã ou pescoço. Lembrei também de uma
curiosidade: no Japão, para combater o calor, vendem-se, em máquinas
encontradas no meio da rua — e em embalagens como as de sorvete —, “calcinhas
geladas”, que, segundo os fabricantes, são recomendadas também para serem
usadas na cabeça. Imaginava a ridícula cena, quando percebi que, das demais
varandas e janelas dos outros apartamentos, algumas vizinhas ou suas empregadas
me observavam ao serviço. Surpreendidas se riam, desapareciam das janelas,
escondiam-se por trás das cortinas. Já embaraçava-me, quando me veio a ideia de
colocar os pregadores de roupa (em Londres já existem pregadores com previsão
de tempo, sabia?), mas eram tantas as calcinhas...“Haja pregador!” Ah, assim já
era servilismo demais... Voltei ao trabalho e as esqueci.
À tarde, porém, num dos passeios pela
varanda, constatei: as calcinhas, insufladas pela iniciativa de uma fresca,
tomaram vida e voaram rumo ao ignoto. Tragédia anunciada! Pensei na bronca da
esposa: “Quem mandou mexer no que não era chamado?” Bem que eu poderia culpar o
macaco Chico, o do Lalau, aquele que, tarado por calcinhas, invadia as
residências do Bonsucesso carioca a roubá-las e as rasgava em cima dos
telhados. “Não, ela não acredita em literatura”... Tive que, então,
rapidamente, catá-las no térreo, nas garagens, no jardim. Vendo uma a tremular
à grade da janela de baixo, pensei em passar na vizinhança, bater-lhe à porta a
recuperá-las.
Indecoroso seria o zelador, com fingida normalidade, perguntar-me, calcinhas à mão, “É do senhor, seu Netto?”, e eu ter que, com constrangimento, responder-lhe que "sim".
Indecoroso seria o zelador, com fingida normalidade, perguntar-me, calcinhas à mão, “É do senhor, seu Netto?”, e eu ter que, com constrangimento, responder-lhe que "sim".
À medida em que as encontrava,
recolocava-as no varal, desta vez com os pregadores, antes de minha esposa
chegar e ver o malfeito. Então, jurei a mim mesmo: nunca mais nesta vida
haveria de tocar numa calcinha, a não ser na presença da usuária, e se, e
somente se, ela me estorvasse em qualquer coisa.
Raymundo
Netto que não entende nada de calcinhas,
mas tem curiosidade em ver uma “aumenta bumbum”...
Nenhum comentário:
Postar um comentário