Ilustração: "Noite Estrelada", de Van Gogh
Crônica publicada em O POVO, originalmente em dezembro de 2011
Moral da História: a vida é o exercício do perder!
Essa
fábula ao inverso, nada mais é do que a minha tese de pós-torturado da
faculdade da vida, na qual nem pedi a inscrição, mas onde tenho cadeiras
obrigatórias desde a primeira tapa, e onde jurei: até a morte hei de viver!
Pois
sim, que não acreditem em mim, mas é mesmo a vida, tão querida ad respirata, dentre as tantas coisas
que desaprendi, um exercício de perdas. Desde a nascença, nada nos é tão certo
quanto a perda, cosida, pontilhadamente, até de um dia perder, irreparavelmente,
a própria vida. Vai-se infância, saúde, amores, amigos, cabelos e,
dolorosamente, os dentes, tudo se vai e, acreditem pelamordedeus, rapidamente
num cadinho.
Nos meus
quarenta anos, já perdi tanta coisa, deixei tanto para trás, nem vale a pena o
sofrer por isso... Ciente da prática de perdas, tenho desapegado
franciscanamente, exercitado ao máximo, a ponto de, às vezes, ficar me rindo da
ausência do peso das tantas coisas que não tenho... Sempre disse: Posso perder
tudo, menos as pessoas... E as tenho perdido mesmo assim, aqui e ali, sem
jeito.
Por que
é charmoso e chama a atenção, vez ou outra grito a todo pulmão: “Desisto!”, mas
continuo insistindo nas mesmas burradas a perguntar-me por que as coisas não me
hão de nunca dar certo. Chego a ter dó de mim, um dó em si tão grande de fazer
choro, não fora eu um nordestino, cem por cento negro, um forte Xunembó, caucásio-brasileiro,
sem carteira assinada, nem dinheiro no banco, sem parentes importantes e
nascido embaixo de fogos de São Pedro.
É
quando me lembro da passagem literária, essa de Queiroz, d’Os Maias, em seu último capítulo, quando Carlos e o João da Ega, numa
conversa descontraída de meio da rua, conceituam os românticos de “indivíduos
inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão...” e resumem:
“não vale a pena viver!” Explicam inda mais: “Não valia a pena dar um passo
para alcançar coisa alguma na Terra, porque tudo se resolve, como já ensinara o
sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira.” Aconselham: “Não saia deste passinho
lento, prudente, correto, seguro, que é o único que se deve ter na vida.” Os
dois fanfarrões estavam convictos da descoberta da fórmula do mais seguro viver:
“não fazer um esforço, nem correr com ânsia para coisa alguma... Nem para o
amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...”
Foi quando
avistaram, ao longe, uma carruagem. Atrasados que estavam, entreolharam-se e “os
dois amigos romperam a CORRER desesperadamente pela rampa de Santos e pelo
Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia”.
E é
assim, meus amigos, que corremos quando temos que correr — a vida não espera —,
mas das vezes temos que parar um pouco e apenas olhar o movimento das ruas,
encantar-nos com as pessoas que nunca víamos chegar, ouvir histórias demorosas
com amigos, arriscar novos pratos, novos sons, tomar banho de chuva e de sol, nunca
dizer nunca nem sempre, pensar menos no passado e no futuro, viver mais o
presente, ganhar o mundo, não pentear sempre os cabelos, nem fazer sempre a
barba — trocar a cueca sempre é bom —, mas acima de tudo isso fazer as pazes
com a gente mesmo, não nos cobrarmos tanto e dar-nos a pequena chance de não
nos perdermos, a não ser de amor.
Feliz Dois
Mil e Doces para todos.
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