Estive relembrando livros que li neste ano de 2013.
Tantos... O último foi Casa das estrelas,
um vocabulário de definições de palavras, ditas por crianças. Calor: É uma coisa que faz a gente ver
até o diabo. Branco: O branco é uma
cor que não pinta. Poesia: É igual
ao que diziam nos anos antigos. Poeta:
É um país que não existe na vida. Amor:
É quando batem em você e dói muito. Adulto:
Pessoa que em toda coisa que fala, vem primeiro ela. Igreja: Onde as pessoas vão perdoar Deus. Água: Transparência que se pode tomar. Casal: É onde os pássaros se metem. Que prazer foi ler esse livro! O mesmo prazer de
reler o livro de Manoel de Barros, que foi o mesmo de reler Guimarães Rosa, o
mesmo de reler Graciliano, de ler O
bibliotecário do imperador, de Lucchesi, de ler Escritores cearenses: múltiplos olhares, organizado por Fernanda e
Jailene, que foi o mesmo de ler Floresta
do exílio de Capiberibe, o mesmo de ler Huni
Kuin organizado por Anna Dantes, crônicas de Machado, ensaios de Virginia
Woolf, a Paixão de Almeida Faria, o Amálgama de Rubem Fonseca, A casa do silêncio, de Pamuk, que estou
terminando... Quantos livros este ano, e que variedade fabulosa é oferecida!
Todos eu li com prazer, claro,
sou uma velha leitora, que já passou pela prova final de Finnegans Wake. Encontro prazer nos textos mais árduos, na sinfonia
das palavras, nos pensamentos dentro dos pensamentos, nas imagens e tramas que
surgem... E você, que está lendo esta crônica, decerto também sente prazer na
leitura. Somos os poucos felizes. E para sentirmos prazer na leitura, não é
preciso plano de governo, nem professores, nem projetos de leitura, nada, como
não é preciso verba do ministério para ensinar as pessoas a sentir prazer num
passeio, numa cervejinha, numa conversa jogada fora...
Mas a questão do hábito da
leitura existe, e precisa de tudo aquilo dito acima: verbas, planos, projetos.
Porque a leitura, além de ser um prazer de alguns, precisa ser hábito de todos.
É uma questão de sobrevivência. Para viver numa sociedade letrada, é preciso
dominar a linguagem, a fala, a comunicação. Para aprender, é preciso saber ler.
Para responder a uma questão de matemática é preciso saber ler o enunciado da questão.
Para se formar em qualquer matéria, é preciso saber ler. E para aprender a ler,
é simples: basta ler muito e sempre. A
leitura ensina a ler.
A leitura como hábito precisa ser
ensinada nos primeiros anos de escola, como ensinam o hábito de prestar
atenção, alimentar-se bem, fazer o dever de casa... Sei que professores,
gestores, até mesmo escritores, falam só no prazer da leitura. Somos um país
para lá de hedonista, para lá de lúdico. Mas o prazer da leitura vem com o
hábito da leitura, pois este é o primeiro passo.
Ler não é um hábito associado ao
prazer, embora o prazer seja uma das sensações que podem surgir numa leitura.
Ler é uma busca de respostas, de recriação do mundo, de mergulhar em
sentimentos dolorosos, numa consciência incômoda. Quem lê Clarice em busca de
prazer? Nos livros há questões inquietantes, neles buscamos nos construir,
aperfeiçoar, a leitura é um exercício trabalhoso, cansativo, que exige muito de
nossa mente, toma nosso tempo, requer dedicação, solidão, pensamentos, decisões,
traz memórias às vezes remédios, às vezes venenos. Nada cômoda.
Se ensinamos que o certo é
procurar o prazer, alguém vai buscar o prazer no divertimento: um passeio, um
jogo de computador, ou ficar pulando ao ritmo de um forró, que nada exigem da mente.
Ensinar a busca do prazer não leva à leitura, talvez até nos afaste da leitura.
Tenho pensado nisso desde que ouvi debates sobre a leitura, na Festa Literária
de Aquiraz, em que todos falavam apenas no prazer da leitura. Menos o Mempo
Giardinelli, autor argentino, que fez uma proposta de criação de hábito, usando
um método afetuoso: numa família, todos os dias, na hora do jantar, alguém
leria um trecho qualquer, até que todos passassem a sentir falta daquela
leitura. Eu não consigo adormecer se não tiver lido algumas páginas. Hábito que
criei.
Assim como um corpo saudável,
estruturado, cuidado, exige muito trabalho, uma mente saudável, estruturada,
cuidada, demanda ainda mais trabalho. O que devemos buscar na leitura é o nosso
crescimento, a ampliação de nosso mundo, o domínio da palavra, o bom resultado
numa formação, num concurso, numa expressão pessoal, numa conversa travada com
arte. Basta criar o hábito. Tão simples, como nos ensinam as crianças. Vida:
Escrever nos livros. Vazio: Sem ninguém dentro. Verbo: É um animal. Universo:
Casa das estrelas. Tempo: Algo que acontece para lembrar. Sonho: É de noite e
seus olhos não acordam.
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