Leio Dalton Trevisan há tantos anos que até me esqueci de quando comecei, talvez nos anos 1980, ainda na
faculdade, ou mesmo antes. Lembro que senti um arrepio imediato, uma
perturbadora inquietação. Diria que foi uma “identificação à primeira vista”.
Depois disso, fui adquirindo um livro dele atrás do outro, dos antigos aos mais
recentes, que — nessas mais de três décadas — foram sendo lançados.
Sua coleção
ocupa a parte mais alta de minha modesta estante de clássicos, não de clássicos
mortos (aqueles livros chatos que lemos uma vez na vida, quase sempre por
obrigação, e nunca mais visitamos), mas de “clássicos pessoais”, aquelas obras
que, de tanto gostarmos, passam a fazer parte de nossa vida, e que retornamos
sempre, nem que seja para uma pestanejada antes de dormir.
O velho
Vampiro de Curitiba passou a ser uma companhia constante, quase diária. E diversas
têm sido para mim suas utilidades, desde o mais elementar divertimento, o
trivial passatempo, a distração em fila de banco, até leituras mais sérias de
aprendizado da escrita. Mas talvez a maior “função” encontrada com a leitura de
seus contos tenha sido a de “desintoxicação literária”; explico: não raro, nos
deparamos com aquele livro chato, de cintura dura, difícil de descer retinas
abaixo; e depois da briga para chegar à derradeira página, da tristeza
pós-parto (a fórceps, diria), vem um desânimo danado; foi então que por acaso
descobri que bastava uma frase de Trevisan para recobrar a força, a vontade de
continuar enfrentando novamente outras páginas.
Então, por
motivos lúdicos e terapêuticos, aguardo ansiosamente os novos livros dele, como
aquelas nossas velhas tias aguardam pacientes o disco de fim de ano de Roberto
Carlos; pois essa espera já faz parte de uma tradição pessoal, um rito de
passagem: o ano não terminará de verdade sem a leitura inquietante, prazerosa,
do seu mais recente livro.
Em 2013 o
presente foi especial, recebi seu costumeiro pacotinho de Natal, desta vez com
dois (morram de inveja: autografados!) volumes: sua segunda (e rara, a primeira
foi de 1985, A Polaquinha) novela, Nem te conto, João, com seus “benditos”
João e Maria em novo encontro, repleto de deliciosos diálogos, no cultuado
estilo do autor; e “de brinde” uma verdadeira joia literária, Até você, Capitu: reunião de textos em
que faz referências a escritores e livros, mostrando sua admiração por Machado,
Mansfield, Tchekhov, Pedro Nava, Rubem Braga, também desancando outros, sobra
até para José de Alencar, Guimarães Rosa e Jorge Luis Borges (e nem ele mesmo
escapa de sua navalha amolada, no irônico “Quem tem medo do Vampiro?”). Nessa
pequena obra prima temos uma espécie de “Poética do Vampiro”, recheada de
deliciosas referências literárias, como uma curiosa carta de agradecimento ao
prêmio Machado de Assis da ABL, vários bilhetes desancando ex-amigos
oportunistas, parentes sem escrúpulos e professores mal informados, além de
breves (e fundamentais) conselhos estilísticos.
O que mais
podemos desejar, além de agradecer, ao nosso maior escritor vivo é que continue
a nos presentear com sua maravilhosa literatura, singular e viva, que cada vez
mais conquista admiradores pelo mundo afora.
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