Luana, Liana e Lunga
Estava
vagando por aqui, neste porão de estrelas, circulando em
ônibus cuja linha era o rumo do vento, perseguido que sou por uma ciumenta e
por vezes tirânica liberdade, engolida nem sempre a seco, quando subiu pela
porta da frente um casal jovem a carregar em cada par de braços uma menina: gêmeas!
Suados, os pais vinham atulhados de bolsas coloridas, sacolas e outros acessórios
próprios que as pequenas exigem, ou que seus pais assim o pensam, na vã e doce tentativa
de nunca falhar com aqueles que trouxeram a este chão de todo movediço. Ao
vê-los, levantei-me, cedendo assento à mulher. O pai sentou-se a seguir noutra
fila de assentos. Uma das meninas, a que estava com o pai, chorava bastante, e
a mãe, no meio do treme-treme próprio dos ônibus, pedia para que ele a ajudasse
na troca das crianças, quando ela tentaria acalmar a pequena chorona. O certo é
que nem ela conseguia se levantar, nem ele, desajeitados e ancorados ao peso da
bagagem, além do esforço que o rapaz fazia para segurar a criança que
esticava-se inteira. Foi quando me dispus a ajudá-los: numa manobra meio que
malabarística, com uma mão peguei a criança do colo da mãe e com a outra puxei
a irmã dos braços do pai. A criança parou de chorar. A mãe, então, me agradeceu.
Tímida, ainda me disse: "O senhor tem jeito, né?" Respondi: "É
porque também tenho gêmeas!"
Engraçadas me são sempre as palavras que, quando isentas
de nós, ganham o mundo. Era-me uma noite sombrosa, acinzentada de vazios, mas uma
simples afirmação ou lembrança corriqueira deu-me ânimo ao espírito.
No domingo — há meses trabalhava nos finais de
semana —, decidi sair com elas, as minhas filhas, hoje, adolescentes.
Almoçamos, conversamos bastante sobre assuntos do mundo incipiente delas,
curtindo cada sorriso, piada e aventura. Fizemos compras. Adoro vê-las
escolhendo suas blusas e calças, expondo-me os gostos, as críticas, vendo-as
sair do provador para me mostrar se teria "ficado legal". De repente,
uma blusa, malhinha singela: acham-na a coisa mais linda! Mostram-me o que está
escrito nela:"Love is a answer". "O amor é uma resposta,
pai!" "Sim, filha, e das perguntas a mais difícil!"
Fomos ao cinema. Sentei-me, como faço questão, numa poltrona
entre as duas. Quando senti o meu braço ser agarrado por uma, a colocar a
cabeça em meu ombro, a outra tomava a minha mão, enlaçando-me os dedos,
enquanto dividíamos o pacote de amendoim confeitado.
Esse é o meu mundo perfeito, colorido pela graça e
beleza de ser pai da Lua e da Lia.
Como não me leem, não saberão do que ora escrevo,
nem do quanto me enchem de vida ou o quanto me orgulham — embora eu o diga e as
abrace e as beije sempre demais. Mas, um dia, lá na frente, é possível que
tenham a curiosidade de conhecer aquele outro cara, não o pai, mas aquela
sombra dele, o outro, o que figura num jornal ou que ocupa um espaço
empoeirado de prateleira. Aí, então,
poderão se surpreender com esses escritos de amor, não tão brilhantes quanto os
meus olhos quando as tenho por perto e posso dizer, sem medo: eu te amo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário