O Quarto, de Van Gogh
Publicado originalmente em O
POVO, em junho de 2011.
Mas do jeito que as coisas andam no mundo, só não
corre o risco de ficar doido aquele que já está. Estresse, ambição, egoísmo,
falsidade, mentira e incompreensão. Somem-se a isso tudo a solidão, o medo e a
maldade. A maior loucura é aceitar tudo isso e não ousar seguir em frente, a
seu modo, traçando uma vida única e original, sem medos de ser taxado de
maluco. A realidade confirma, como escrevi certa vez: “só os egoístas serão
felizes!”
Anos-há, tive passagem pelo
Hospital Mental, não como interno — ainda —, mas como terapeuta. Alguns poucos
meses dos quais não mais me esqueci (nem me recuperei).
A princípio, curiosidade:
observar àquelas pessoas, alienadas, delirantes ou alucinadas, frágeis de
pensamentos, coloridas por angústias e histórias insonháveis. Depois: o medo.
Medo deles? Não, medo de mim! Imaginar que tão absurdo estado poderia tomar-me
de assalto de uma hora a outra, sem bater à porta, partindo de a mais inocente
esquisitice, “neura”, excentricidade até margear o desvario absoluto,
amedronta. Pus-me, dês então, a reconhecer a loucura do outro na minha, um
exercício interessante e, por vezes, engraçado.
Por mim, já naqueles tempos,
daria alta a um bocado de gente dali, muitos deles bem parecidos com amigos e
pessoas queridas aqui de fora, “normais” em suas manias e paranoias e até com
um discurso mais organizado e convincente — a literatura, por exemplo, é um
celeiro de gente normal. Não via nada demais neles, mas a equipe, diante de
minhas argumentações imaturas, assegurava: “Esse aí? Ihhhh, é doidinho da
silva...”
Dentre os tipos: o catatônico,
feito estátua, parado no pátio; a mulher ao chão a chorar agonias de saudades
de uma mãe que não existia; um “rapaz-gato” que miava na orelha das internas; a
velhinha em olhar fixo a trazer ao colo uma boneca; um que, de lençol ao
pescoço feito “capa”, galopava numa vassoura o dia inteiro levando e trazendo
recados; o “poeta” que andava com livros, em espanhol, debaixo do braço e um
caderno na mão, sempre explicando sobre “las musas”; enfim, uma ruma de
personagens fantásticos, todos devidamente registrados como “doidos oficiais”.
Na emergência, por trás de
grades, pacientes pelados — para não usarem peças de roupas como “forca”. Fora
delas, outros, entupidos de remédios, andavam em círculos, feitos múmias. Um
deles, lembro, com dois dedos em “tesoura”, espetava os olhos dos colegas.
Alguém, com ainda alguma sensibilidade, reclamava: “Tu é doido? Quer furar meu
olho, seu doido?” O “engraçadinho” saía com passos atropelados e maneando a
cabeça: “Sou doido não, macho, sou doido não...”
Havia um velhinho, o Walmir Vapy.
Nem parecia doente. Era de bulir nas pacientes jovens ou a dedilhar o dia em
seu violão, isso, enquanto não confeccionava, de próprio punho, o jornalzinho
“A Verdade”, informativo que tinha de um tudo: anedotas, atualidades,
gastronomia, efemérides e fofocas do manicômio, e que lhe garantia, por meio de
“assinaturas”, o trocado do cigarro. Da minha turma, apenas eu o assinava e
ele, bom jornalista, cumpria suas edições regularmente. Noutro dia,
surpreendeu-me a manchete da primeira página: “Netto, Fisio, é líder da equipe
dos babões!”. Indignei-me: “Ô, Walmir, você é doido? Quer perder o assinante,
rapaz?” Soube depois, ser ele apaixonado pela minha professora, e estando eu
sempre muito próximo a ela, ficara doido de ciúmes.
Mas a loucura é original. Num
hospital, todos os meses, elegiam três pacientes para uma entrevista de alta. O
médico orientava: faria uma pergunta bem simples a cada um dos três.
Respondesse direitinho: alta! Perguntou ao primeiro: “Fulano, quanto é dois mais
dois?”. Respondeu: “69!”. Reprovado na lata! Ao segundo: “Cicrano, quanto
é dois mais dois?”. Ele: “Terça-feeeira!”. Coitado... Insistiu no terceiro:
“Beltrano, quando é dois mais dois?”. Finalmente: “Quatro!” “Muito bem, até que
enfim alguém merece receber a alta... Pode nos dizer como chegou à conclusão”,
indaga. “Muito fácil, doutor, só prestei atenção nas respostas dos colegas...
Olha só: 69 menos terça-feira é igual a quatro!”
Ô lôco!
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