Publicado originalmente em O
POVO em 2010.
Era
uma vez um carnaval, porém, não era um carnaval qualquer, não. Tinha
um jeitão de... de... como poderia dizer... ah, já sei... com jeitão de partida
de futebol! O nome era por demais sugestivo: Copa! Ora, todos sabem que melhor do que a copa só a cozinha... E não era uma copazinha mixuruca, nem copaíba, nem copacabana dessas que a gente vê por aí... era a suprema copa, a magnânima, a disputada
e incomparável Copa do Mundo. O nome, evidente, já diz tudo: temos que Coparticipar!
Entretanto, ao invés do cinza concreto de uma
passarela-sambódromo, à guisa de uma quiçá proposta ecológica, no meio do
gramado — nem importa se tal grama seja ou não artificial — de um iluminado
campo de... futebol, claro!
Está feita a Mardi
Gras! E, para abrir a festa, Zakumi, o Rei Momo desse carnaval, mascote
dessa Copa, um leopardo com cara de “emo”.
Os torcedores, grandes mantenedores da imensa festa
popular, vindo de todas as partes do mundo — bloco dos endividados e bloco dos endividandos
(ou não...) — distribuem-se nas arquibancadas. São foliões animados — muitos à
custa de goles de cerveja (somente da patrocinadora Bud...) — com sorrisos máscaros, de bochechas inchadas de
soprar longas cornetas zoadentas (as vuvuzelas africanas), outros com perucas
coloridas, suores que brilham como lantejoulas, fantasias variadas, crianças na
cacunda, todos à espera da passagem de ricos cordões (põe ricos nisso!!!) que, enfileirados,
logo saem de estratégicos túneis em mãos dadas. Os “bafana bafana” (ou “Hakuna
Matata”?) de nossa América tropical imediatamente se postam com a mão no peito
a disfarçar o canto pátrio de um hino cuja letra é tão linda quanto
desconhecida: “verás que os filisteus não
fogem a luta!” Veremos?
Como escolas de samba, os times desfilam, uns por
terra, outros pelo ar. O enredo é um só: “A taça do mundo é nossa!” Em vez de
Mestre-Sala, Ponta-de-Lança; de Porta-Estandarte, o Centro-Avante. Apito de um
lado, bandeirinha de outro. De repente, a uma bola, vejam só, uma coisinha
aparentemente tão insignificante, a atenção de bilhares de pares de olhos — uns
mais abertos que outros — num mesmo momento convergem. Na geral de Soccer City, ou mesmo no sofá, para
aqueles que ficaram em casa ou na velha churrascaria (básico
esquema-espetinho...), não importa, a batucada e as gritarias atentam à alegria
desprezando, por tensos momentos dramááááticos, a melancolia, quase triste, das
misérias daqueles que inda choram, ou dos que sorriem banguelas diante do
insucesso em ruas descalças e enlameadas, disfarçadas por varais de fitinhas de
plástico e a cal fininha verde e amarela, vítimas da promoção daquela emissora
de tevê que os esperançou de levar aquela ruela à África do Sul...
Deve rezar na cartilha de toda boa Copa: é a celebração
da vida e da união dos povos do planeta em prol da paz mundial. Honrosa
proposta... Mas é a busca incessante de prazeres que move os desprendidos foliões
desse carnaval. “É melhor ser alegre que ser triste. Alegria é a melhor coisa
que existe. É assim como uma luz no coração.”*
Nosotros brasileiros, heroicos sobreviventes e
galhofeiros de plantão, deixamos a dor esperando em casa, embaixo do
travesseiro, esfriando na geladeira — às vezes à cama —, no espelho do
banheiro, na cueca que fizemos de pano de prato e comemoramos a NOSSA vitória.
É emocionante perceber que também o medo do
rebaixamento, ou da eliminação da sua escola, ou de seu time, faz com que alguns
de nós, românticos, fechem-se em copas e chorem lágrimas dificilmente vertidas
em momentos de fome, de miséria, de morte ou de tragédias. É um sofrimento
exclusivo para momentos abnormes. A Psicopatologia deve ter explicação...
Mesmo assim, como inventaram as micaretas, carnavais
fora de época, que nada mais são que “nostalgias” das passageiras alegrias do
“carnaval que passou” até o despertar de que “nada será como antes”, o
etnofutebolistas criaram os desanimados “amistosos” que, da mesma forma,
chegaram-nos com a missão de não nos deixar esquecer que mesmo sofrendo se é
possível comemorar. De preferência entre nós mesmos, para tudo ficar em
família...
Ao final desse imenso carnaval, o mundo volta a ser
como antes, sem confetes (a não ser diante de patrões) e serpentinas. Os
Pierrôs apaixonados, tristes e taciturnos, continuarão a escrever crônicas para
o jornal sabendo que sua eterna Colombina nunca as lerá, pois tem olhos fitos
nos solares olhos de jovens Arlequins que continuam fazendo pegas nas noites à
beira-mar entre os séquitos de magros torcedores com bandeiras amarradas ao
pescoço a arrastar as poeiras das calçadas sem cadeiras, sem marchinhas nem
vitórias que valham a pena viver ou lembrar. E seja, sempre, o que Deus quiser “porque o samba é a tristeza que balança/E a tristeza
tem sempre uma esperança/A tristeza tem sempre uma esperança/De um dia não ser
mais triste não.”*
(*) "Samba da Bênção", de Vinícius de Moraes e Baden Powell
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