Quando cheguei à fria madrasta Fortaleza, encontrei em alguns bairros
suburbanos um consolo: quase uma cópia fiel de minha saudosa cidadezinha do
interior. E me acostumei naturalmente com o “sul” da capital, talvez por ser
mais perto geograficamente de minha “Pasárgada” de infância, uma espécie de
“saída de emergência”. Benfica, Jardim América, Montese, Damas, Parangaba etc.
Até hoje, passados trinta e tantos anos, a “minha” Fortaleza se localiza
praqueles lados; e me sinto quase um estranho quando ando em outras
direções.
A familiaridade com esse lado “sul” da cidade não se mostra apenas nos
simples conhecimento das ruas: nos rastros que se vai fazendo ao andar; mas
muito mais se baseia na intuição: caminho por essas bandas de olhos fechados,
pois sou capaz de entrar num ônibus, trancar os olhos e mesmo assim reconhecer
onde estou — me localizo com facilidade, atravesso ruas sem observar, reconheço
locais já bem fixados nesse misterioso “saco sem fundo” que é a memória.
Claro que já tentei morar em outras localidades, seguindo
preferencialmente as mudanças da repartição onde trabalho há vinte e quatro
anos: Aldeota, até mesmo o esnobe Meireles. Mas juro que nunca me acostumei com
esses assépticos bairros de novos ricos: meu coração é mesmo — e
irremediavelmente — suburbano.
Dia desses o amigo Gylmar Chaves me convidou para escrever um livrete
sobre um recanto de nossa capital, numa coleção que tem tudo para se estender
para a totalidade gigantesca dessa estranha metrópole “sem beira nem fim” que
se tornou Fortaleza. Pontuei que não era pesquisador nem nada, que pouco sabia
especificamente dos bairros, mas apenas generalidades; ao que ele retrucou que
queria mesmo era “esse olhar enviesado” de cronistas, poetas, músicos,
geógrafos etc., etc. Prometi-lhe que tentaria; e ele imediatamente me pegou
pela palavra, mostrando-me logo as poucas opções que restavam, quase não me
dando oportunidade de escolha. E dessas raras opções escolhi um bairro que
muito me agradava pelos anos 80 do século passado, quando aqui aportei.
As bucólicas mangueiras do Pici, a antiga Faculdade de Agronomia, que
frequentei por dois anos e meio, a casa de uma tia na cabeceira da lagoa da
Parangaba, e até meu querido “Leão do Pici”, onde tantas vezes fui sonhar de
ser jogador na “Escolinha do Moésio” e até mesmo bisbilhotar as piscinas e
carnavais na velha “Sede Social” da rua Belo Horizonte.
Quase um ano de leituras variadas, perigosas visitas ao bairro (uma
delas acompanhado por diversos amigos), conversas com moradores novos e
antigos, consultas aos colegas escritores que guardavam lembranças de lá,
várias idas ao importante arquivo do Nirez e leitura dos jornais O POVO e Diário do Nordeste, finalmente o livrinho vem a público numa edição
caprichada, patrocinada pela Secretaria da Cultura da Prefeitura de Fortaleza.
E que espero tenha uma distribuição razoável, que encontre leitores apaixonados
e — principalmente — pesquisadores mais abalizados que descubram neles as
falhas e tratem de fazer outros melhores.
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