Publicado originalmente no jornal O POVO, em junho de 2012.
Confesso: sou um feio!,
assim como também é feio, às vezes, quem me diz, e não é feliz, nem poderia
ser, a não ser que fosse também muito egoísta e, então, seria defeito demais
para uma criatura só.
Entretanto,
sou um feio aceitável, pelo menos penso que sou, nem horrendo nem bizarro, como
alguns de nossos colegas, profissionais involuntários da careta, que se exibem
nas ruas da cidade, nos terminais de ônibus, nas praças ou nas emissoras locais
de TV.
Não
que eu acredite no ideário grego de perfeição, nem vou citar “Don Giovanni”.
Pelo contrário. Para mim, ser feio é uma bênção: a beleza se perde, mas a
feiura é permanente, e com o tempo e o costume, passa a ser compreendida junto
com a paisagem. Já os faustos e belos, coitados, estão fadados à decadência ou
ao redesenho hediondo do bisturi. É encontrar aquela mocinha que na juventude
era a namoradinha do bairro e tomar susto pelo seu mal traçado destino: “Meu
Deus, está acabada... Do que me livrei!” Já o feio, não. O costume e o pouco de
atrativos lhe conferem certa jovialidade e simpatia. Eterno em sua rotineira
capacidade de passar despercebido e de não gerar expectativas, nos faz parecer
até que está “melhorando”...
Temos
o feio relativo, aquele que nem é tão feio quanto pinta, e no qual se é
possível, ainda, sinalizar que “quem ama o feio, bonito lhe parece.” Há, porém,
de encontrarmos por aí o feio vaidoso, aquele cuja feiura não lhe é suficiente,
sendo imediatamente valorizada por meio de brinco, cabelo, piercing, óculos (todo feio, geralmente, utiliza-os) ou roupas
coloridas e escandalosas.
O
“feio inteligente” — tem-se o “feio burro”, um descuido do controle de
qualidade divino que não deveria permitir o nascimento de tais seres, assim
como também não deveria o “belo inteligente” — tem como ordem do dia conhecer o
íntimo das pessoas. É, como forma de defesa, a princípio, um observador por
natureza. Presta tanta atenção à sua volta que termina por conseguir decifrar
mentes, prever acontecimentos, bolar planos maquiavélicos. Quase — em alguns
casos, todo — um bruxo! Muitas vezes, por essa característica, se torna
escritor. Este, quando mais famoso, ainda consegue, para insatisfação de seu
editor, exigir sua triste estampa na capa de sua obra. Invés disso, os mais
inteligentes estudam, prosperam na vida e compram imensos carros e namoradas
festeiras: “Sou feio, mas eu posso!” Por questão de ética, nem vou citar
exemplos de horrendos na literatura que ainda colocam suas esquálidas imagens
em capas. Um real desserviço ao leitor a guardar o livro de bruços na cômoda ou
dentro da gaveta para não desestimular a leitura das crianças.
Mendel,
que também era um feio, e por isso se divertia no quintal promovendo o coito de
ervilhas, descobrira que a feiura não cabia inteira num único rosto e
metastatizava pelas veias, disseminando e condenando suas futuras gerações,
sendo atenuada apenas quando do encontro casual com aquela bonitinha de
pensamento transcendental a amenizar as marcas de uma herança de feiumes ou a
expiar seus pecados na visão matutina de um feio despenteado a babar o
travesseiro justaposto, no auge da feiura despreocupada e entregue à mosca, de
certo, azul.
É
sabido que a maior vitória do diabo foi convencer a todos de que era um feio.
Pois bem, também é sabido que as proprietárias das grandes agências de modelos
são imensas, além de feias. Assim, como vingança, contratam as mulheres mais
bonitas e as convencem de que têm que emagrecer, emagrecer, emagrecer, até que
sumam de vez das vistas humanas, agora, cadavéricas, paranoicas e tomadas de
olheiras.
Mas
o feio presta um grande serviço à humanidade, afinal, a beleza só existe quando
ao lado da feiura. Muitos dos feios, como já disse, se tornam artistas, pois
apenas a arte tem a capacidade de extrair a beleza do feio. Fica, então,
a pergunta quase humbertoecônica: “Será possível que por baixo de uma pátina
malfeita possa existir alguma beleza?”
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