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A Geografia Verbal de Raymundo Netto
Raymundo
Netto: novo livro de contos avança sobre a poesia,
com
histórias costuradas pela melancolia e
por
uma linguagem experimental que reinventa o Ceará.
Não
faltam aqueles que tomem um lugar qualquer por um ser vivo. Com humores,
personalidade, pensamento e sentimento. Muitos escritores trabalharam,
obsessivamente, na recriação de seu berço — caso do polonês Bruno Schulz, do
irlandês James Joyce e do mineiro Guimarães Rosa.
O
cearense Raymundo Netto não chega a tanto. Contudo, ele também se atem a uma
geografia, mas uma geografia distinta, não aquela feita de gente e de terra.
A
geografia que explora é, pois, a das palavras. Em seu novo livro, Os Acangapebas, ele constrói um lugarejo
linguístico, que remete ao Ceará — em tempos e espaços múltiplos, a se
entrecruzarem na busca de uma harmonia.
Os Acangapebas é
um livro de contos, com a uniformidade de um romance. Raymundo Netto, aliás, já
havia tencionado estes limites em seu trabalho anterior, o romance Um Conto no Passado: cadeiras na calçada,
ganhador do I Edital de Incentivo às Artes da Secretaria da Cultura do Estado -
Secult (2004). O novo trabalho também já coleciona dois prêmios, o Edital de
Literatura da Secretaria da Cultura de Fortaleza/Secultfor (2007) e do Prêmio
Osmundo Pontes de Literatura da Academia Cearense de Letras/ACL (2011).
Se
a coleção de contos se assemelha a um romance fragmentado, tamanha a unidade de
estilo e conteúdo das histórias ali contadas, também é necessário acrescentar à
equação literária de Os Acangapebas a
poesia.
Essa
ligação, aliás, é sugerida pelo autor logo no início da obra, ao citar os
versos do italiano Dante Alighieri, inscritos na entrada do Inferno, em seu
clássico poema A Divina Comédia: "Lasciate
ogni speranza, voi che entrate" (“Abandone toda a esperança aquele que por
aqui entrar", em tradução livre).
E como todo bom poema, fica a cargo do leitor encontrar uma resposta para o que
é dito. Afinal, de que esperança o escritor espera que seus leitores abdiquem,
antes mesmo de atravessar suas páginas? Para arriscar uma resposta (e,
portanto, sem garanti-la), ficaríamos tentados a identificar, aí, uma
antecipação do estado de ânimo de boa parte das histórias ali contadas.
Netto
as costura com uma melancolia persistente. Não chega a explodir em tristeza ou
qualquer outro estado de alma mais sombrio. Contudo, está ali, a escorrer por
este e aquele episódio, em pequenos dramas que, tal qual pedras colossais, não
podem ser removidos. Talvez seja por isso que Raymundo Netto tenha escolhido
"Luzeiros" para abrir o livro. A história é exemplar nesta
melancolia: um velho pescador, que sempre enfrentou o incomensurável oceano,
não consegue enfrentar os problemas que o dia a dia lhe traz. Destacam-se,
ainda, histórias como "Ode ao Amor e à Morte" e "O Circo".
Dellano Rios (para o Diário do Nordeste)
Graduado em Comunicação Social -Habilitação em Jornalismo
pela Universidade Federal do Ceará (2004) e mestre em Sociologia pela Universidade
Federal do Ceará. Editor do Caderno 3 do Diário do Nordeste, foi monitor da
Oficina de Quadrinhos da UFC. Tem experiência profissional na área de
Jornalismo e Comunicação e, como pesquisador, atua nas seguintes áreas:
comunicação, sociologia da religião, semiótica, oralidade, tradição e memória. Desenvolve
pesquisas sobre devoções populares, oralidade, memória, narrativa e tradição e
foi ganhador do Edital da Secult para Autores Cearenses, em 2010, com O
Povo fez sua Santa.
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