domingo, 26 de agosto de 2012

"Os Acangapebas", por Dellano Rios



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A Geografia Verbal de Raymundo Netto


Raymundo Netto: novo livro de contos avança sobre a poesia,
com histórias costuradas pela melancolia e
por uma linguagem experimental que reinventa o Ceará.


Não faltam aqueles que tomem um lugar qualquer por um ser vivo. Com humores, personalidade, pensamento e sentimento. Muitos escritores trabalharam, obsessivamente, na recriação de seu berço — caso do polonês Bruno Schulz, do irlandês James Joyce e do mineiro Guimarães Rosa.

O cearense Raymundo Netto não chega a tanto. Contudo, ele também se atem a uma geografia, mas uma geografia distinta, não aquela feita de gente e de terra.
A geografia que explora é, pois, a das palavras. Em seu novo livro, Os Acangapebas, ele constrói um lugarejo linguístico, que remete ao Ceará — em tempos e espaços múltiplos, a se entrecruzarem na busca de uma harmonia.

Os Acangapebas é um livro de contos, com a uniformidade de um romance. Raymundo Netto, aliás, já havia tencionado estes limites em seu trabalho anterior, o romance Um Conto no Passado: cadeiras na calçada, ganhador do I Edital de Incentivo às Artes da Secretaria da Cultura do Estado - Secult (2004). O novo trabalho também já coleciona dois prêmios, o Edital de Literatura da Secretaria da Cultura de Fortaleza/Secultfor (2007) e do Prêmio Osmundo Pontes de Literatura da Academia Cearense de Letras/ACL (2011).

Se a coleção de contos se assemelha a um romance fragmentado, tamanha a unidade de estilo e conteúdo das histórias ali contadas, também é necessário acrescentar à equação literária de Os Acangapebas a poesia.


Essa ligação, aliás, é sugerida pelo autor logo no início da obra, ao citar os versos do italiano Dante Alighieri, inscritos na entrada do Inferno, em seu clássico poema A Divina Comédia: "Lasciate ogni speranza, voi che entrate" (“Abandone toda a esperança aquele que por aqui entrar", em tradução livre).

E como todo bom poema, fica a cargo do leitor encontrar uma resposta para o que é dito. Afinal, de que esperança o escritor espera que seus leitores abdiquem, antes mesmo de atravessar suas páginas? Para arriscar uma resposta (e, portanto, sem garanti-la), ficaríamos tentados a identificar, aí, uma antecipação do estado de ânimo de boa parte das histórias ali contadas.

Netto as costura com uma melancolia persistente. Não chega a explodir em tristeza ou qualquer outro estado de alma mais sombrio. Contudo, está ali, a escorrer por este e aquele episódio, em pequenos dramas que, tal qual pedras colossais, não podem ser removidos. Talvez seja por isso que Raymundo Netto tenha escolhido "Luzeiros" para abrir o livro. A história é exemplar nesta melancolia: um velho pescador, que sempre enfrentou o incomensurável oceano, não consegue enfrentar os problemas que o dia a dia lhe traz. Destacam-se, ainda, histórias como "Ode ao Amor e à Morte" e "O Circo".

Dellano Rios (para o Diário do Nordeste)

Graduado em Comunicação Social -Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (2004) e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. Editor do Caderno 3 do Diário do Nordeste, foi monitor da Oficina de Quadrinhos da UFC. Tem experiência profissional na área de Jornalismo e Comunicação e, como pesquisador, atua nas seguintes áreas: comunicação, sociologia da religião, semiótica, oralidade, tradição e memória. Desenvolve pesquisas sobre devoções populares, oralidade, memória, narrativa e tradição e foi ganhador do Edital da Secult para Autores Cearenses, em 2010, com  O Povo fez sua Santa.

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