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Pois
é que acabei embarcando no "Trem Noturno para Lisboa" (2013), filme
baseado na obra homônima (lançada em 2004) do filósofo suiço, de Berna (1944), Peter
Bieri, que assina Pascal Mercier, que, dizem, já vendeu mais de 2 milhões de
exemplares no mundo.
Fui
assisti-lo sem expectativa nenhuma, coisa a nos permitir a visita da surpresa, o que de
fato aconteceu neste filme cujo elenco é formado por Jeremy Irons (Inglaterra),
Melánie Laurent (França), Jack Huston (Inglaterra), Bruno Ganz (Suíça), August
Diehl (Alemanha), Marco D'Almeida (Moçambique), contando com a participação não só da voz, mas do, também inglês, sr. Lee, Cristopher (bom saber que ainda está vivo... ou quase, ou não, afinal, ele é o Cristopher Lee).
Enfim,
o filme nos mostra Raimund (somos
tantos os raimundos) Gregorius
(Jeremy Irons), um professor de Latim, Grego e Hebraico, residente em Berna, que,
numa manhã chuvosa, salva a vida de uma jovem suicida em uma ponte sueca. Ela o
acompanha até a sala de aula e depois desaparece, deixando para trás um casaco
vermelho e um mistério. Inquieto, ainda em sua aula, Raimund pega o casaco e sai atrás dela,
mas não a alcança. Mesmo assim, o professor não volta, pois, nos bolsos do casaco, um livro póstumo, Um Ourives das Palavras, do desconhecido poeta e médico português
Amadeu de Almeida Prado (segundo a irmã, a tiragem do livro fora de apenas 100
exemplares). Numa breve leitura, identificou-se no texto, e descobriu entre suas
páginas uma passagem de trem para Lisboa. Sem pensar, coisa difícil para quem lê demais, esquece dos alunos a
esperá-lo e, com a roupa do corpo, salta no trem e começa a sua aventura em
busca da vida do poeta. A fotografia do filme é belíssima, e os cenários:
Berna, Lisboa e Salamanca.
Em
dias em Lisboa, descobre a participação de Amadeu no movimento de resistência
contra a ditadura de Salazar, conversa com familiares, amigos e
correligionários, numa ânsia inexplicável de saber mais, por meio de uma
narrativa delineada em flashbacks que vão, aos poucos, apresentando toda a
história de vida do poeta: ideologia, amigos e amores. Aliás, é tão raro ver um
filme onde o "mocinho" passa os dias com um livro nas mãos. É inspirador
e já mostra a que veio o filme, cuja principal falha, a meu ver, é não ter
utilizado da língua portuguesa nas cenas em Lisboa. Seria muito charmoso, mais
verdadeiro e, para nós, auditivamente, uma delícia.
E,
por falar em delícia, para mim foi inevitável a lembrança horaciana de "Carpe
Diem", centelha arrebatadora de outro sucesso de bilheteria de mais de 20
anos: "Sociedade dos Poetas Mortos".
O
filme carece de atenção, observação e pensamento. Para assisti-lo sem
preconceitos, precisamos de profundidade e de espírito. Nele, sem pieguices ou
efeitos especiais gratuitos, há uma rota de autoconhecimento e de autorreflexão,
além da sua humanidade, sem muito enfeite para falar da sem-gracice da vida, mesmo
no Velho Mundo, o que me atraiu muito (não vou mentir: surpreendi-me ao ver
tantas paredes maravilhosas pichadas, ou seja, nada de enrolação e maquiagem).
O
personagem principal é um sujeito solitário, que alega que seu casamento acabou
porque a mulher o considerava "um chato", como devem ser (e defendem
esse direito) os professores de latim (e, certamente, os escritores). Por outro
lado, sendo tão metódico e maçante, surpreende a sua explosão em busca de um
desconhecido do qual apenas ouve (lê) a voz (ponto para a literatura).
"O
Trem...", acima de tudo, fala de escolhas e de seus resultados, nem sempre
felizes, nem sempre tristes, porém, fatalmente humanos e, portanto, imperfeitos (quase feios).
É um filme incômodo, certamente, por isso, poético, menos pela poesia de
Amadeu, mais pela mente desesperada de um afogando Gregorius (talvez outro suicida não exitoso) a pedir socorro
em passos pelas ruas de calçadas velhas lisboetas:
“Quando
deixamos determinado lugar, deixamos para trás um pedaço de nós, permanecemos
lá, apesar de partirmos. E há coisas em nós que só podemos recuperar se
voltamos para lá.” (Amadeu Prado)
Recomendo demais!
Muito clara a sua visão do universo que se descamba nesses passos, por aqueles lugares, ladeiras olindianas e outras, porém em Lisboa, berço de urdiduras de conquistas, inclusive de identidades alheias, misteriosas... No filme tudo parece talvez mais fácil, porém o livro traz insights de Amadeu que são como raios relampejando ideias transversais ao seu tempo. Pois é, foi excelente vê-lo na sala de projeção e traçar vislumbres de pensamentos e épocas consigo, a partir de tão elevadas fontes. Abraço!!!
ResponderExcluirMuito legal, Max. Vamos nos falando. Um 2014 super-hiper-plus. rsrs Grande abraço.
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