sábado, 14 de dezembro de 2013

"O Sentimento é o Barco na Garrafa", de Raymundo Netto (14.12)



Ilustração: Andruchak ("Barco na Garrafa", 2004)

O sentimento é o barco na garrafa: represo, inútil e vazio.
É a raspa do tacho que faltava, é a desilusão, é o estio.
A mancha na roupa mais querida, a saudade que infarta.
É no peito, o lastro que se cria e na mente a imagem que se mata.

Do prego, a ferrugem que tetaniza. Na pele, a marca da navalha.
No amor, a ferida que se abre e na noite a folha que orvalha.
O sentimento é tal alegria que se esvai ou a fumaça que no azul vapora
No olhar traz a cinza da memória de um poema que em versos chora.

O sentimento é a fadiga na subida e a brasa que em cinzas arrefece.
É a calma piedante embebida na espinha que pela goela desce.
Dos sentimentos, o mais triste é a tristeza
E o amor, acreditem, dentre todos, pouco importa
Pois é no deserto que, diante da certeza da solidão,
A vida se conjuga e se conforta.

O sentimento é o barco na garrafa, poeticamente inavegável
e comido por cupins.

2 comentários:

  1. Poesia boa é assim... Deixa a gente sem palavras. E precisa? Apenas compartilho porque é preciso poesia no mundo...

    ResponderExcluir
  2. Meus amigos, agradeço o incentivo e, aina mais, a leitura. Forte abraço!

    ResponderExcluir