Ilustração de Audifax Rios (fonte: O POVO)
Foi num dia de hoje, no 13 de dezembro de 1990, que
se despediu de nosotros o poetinha Antonio Girão Barroso. Irrequieto,
pequenino, mexia com tudo. Em jornal foi tipógrafo, repórter, redator até
chegar à secretaria editorial dos Diários
Associados (Correio do Ceará e Unitário) para depois ser diretor do
departamento de jornalismo da então TV Educativa (TV Ceará, canal 5). Além de
correspondente de jornais nacionais e revistas de cultura. Foi fundador do
Grupo Clã e idealizador, ao lado de Darcy Costa do Clube de Cinema de
Fortaleza. Criou o Salão de Abril, foi professor universitário e pertenceu à
Academia Cearense de Letras. Fundou e presidiu o Partido Socialista Brasileiro
e a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP). Criou o jornal José, fez parte do Grupo SIN, consolidou
entre nós a poesia moderna e participou do grupo Poesia Concreta. Presidiu o
Sindicato dos Jornalistas e candidatou-se a vereador e vice-prefeito. Mexeu com
de um tudo. Como um homem tão pequenininho tinha essa enorme capacidade de trabalho
e produção tão alentada? Livros: Alguns
poemas, Novos poemas e Poesias incompletas, afora participação
em antologias e publicações em jornais e revistas. Quando não declamava nas
mesas dos bares antes de cantar “El reloj”.
Conheci Girão Barroso em Santana quando ele,
diretor do Departamento de Assistência ao Cooperativismo (governo Parsifal
Barroso) foi por lá fundar uma cooperativa agrícola. Aproveitou e deu palestra
no Ginásio Santanense sobre o assunto, ocasião em que os alunos fundamos uma
cooperativa estudantil da qual era secretário, bem como do Grêmio Padre Antonio
Tomás. E tá explicado esse empenho pelas atas do "Clube do Bode".
Anos mais tarde, quando já privava de sua amizade, dei-lhe uma fotografia do
evento feita pelo Braguinha, onde posava ao lado de José Arcanjo Neto, diretor
da CNEC; Padre Joviniano Loiola, vigário da paróquia; Valter Nogueira e
Vasconcelos, juiz da comarca e José Bosco Arcanjo, coletor federal.
Nossa aproximação deu-se nos Diários Associados, quando passei a desenhar para o suplemento
literário dominical do jornal Unitário
o qual editava. Quando participei pela primeira vez do Salão de Abril (1968-?)
ele teceu bondosos comentários sobre meus guaches. Até então só nos
encontrávamos no aperto do ônibus da Casa de Saúde São Raimundo (Dom Luiz).
Acho que a apresentação formal foi feita pelo jornalista Gervásio de Paula, no
Flórida Bar da rua do Rosário.
Houve um tempo em que cruzávamos os caminhos no
Chanceler, o Bar do seu Airton que ficava na Visconde de Mauá, perto da praça
da Imprensa. Onde pontificava muita gente das tevês, rádios e jornais
instalados nas adjacências. À tardinha batíamos o ponto bem assim os fregueses
contumazes: Gusmão Bastos, Willame Moura, Dedé de Castro, Neno Cavalcante, Newton
Sales, o dito Gervásio e o Airton Monte que a esse tempo morava na
Desembargador Moreira e ainda cronicava no jornal O POVO; escrevia para O Saco do poeta Manoel Raposo e
publicava seus contos em livros. Nestas reuniões informais cobrava o enfeixamento
de seus poemas em livro prometendo ilustrá-los. Na sua simplicidade, Girãozinho
descartava: “Vamos ver, algum dia...”
Lá pela terceira cerveja o poeta do Pacatu-b-a-bá,
grávido de Fortaleza, puxava pela saudade e cantarolava um sucesso latino, “El
reloj”, versão que não passava do primeiro verso, “por que não paras relógio?”,
objeto que não tinha nada a ver com ele, mas que emprestava-lhe o diminutivo
carinhoso, “por que não paras reloginho?”. Por conta de que, certa vez, em maio
de 2001, ao passar pelo Dragão do Mar e apreciar uma roda de poesia em
homenagem ao poetinha, tive que fazer, ao correr da pena, estas linhas tortas
que ouso transcrever, lidas pelo poeta José Neto. Na verdade, Girão não se
incomodaria:
Girão / rima pobre para um grande poeta / pobre,
não / digamos, simples /como ele / curta / como seus passos / na noite da
cidade que amava / na Pacatu-b-a-bá que o esperava. / Mas Girão é também / um
grande passeio circundante / um abraço amplo / um giro em redor da poesia / uma
pincelada em torno do mundo / que ele ajudou a descrever / com letras e
símbolos / signos abstratos / de sua poesia concreta. / Um giro rápido, mas
abrangente / circular como o mostrador / do relógio que teimava em não parar. /
Parou de girar um dia / Girãozinho segue / marcando todos os segundos / do
amor, da vida / do homem, da poesia”.
Naquele momento, Oswald, o filho também poeta,
agradeceu e disse que iria pendurar o rascunho na parede. Como um relógio de
pêndulo e cuco, como o relógio da canção.
Um dia Oswald bate à porta do ateliê com um pedido
do Girão: ilustrar o livro que organizava enquanto o poeta agonizava: Poesias incompletas. Hora de cumprir a
promessa dos tempos do Chanceler. Dito e feito. O livro saiu. Como edição
póstuma. O restante da sua produção deve estar sendo ordenada agora juntamente
com o José Alcides Pinto, seu companheiro de concretismo. Há tempo suficiente
pra isso. Por lá o relógio não para, não atrasa, talvez nem ande.
Maravilhoso!
ResponderExcluirAudifax, eu não conhecia esta crônica. Salve!