quarta-feira, 9 de outubro de 2013

"O POVO é FOGO!", crônica inédita de Raymundo Netto (9.10)

 Fonte: O POVO (Deivyson Teixeira)
“Incêndio!” O verbete vaporava vespertino num arrebol domingueiro.
Corria os olhos em busca de notícias, logo elas, pela internet. Uma cortina de fumaça cobria os acontecimentos em tempo real. As fotos postadas angustiavam. As compridas chamas lambiam o céu de uma Aguanambi que ardia.
Também não sabíamos que o legado de Prometeu seria tão afeito a livros. Devorou-os um a um, deliciando-se de uma sentada só, num repousante lusco-fusco de uma tarde de domingo. Passantes alegavam até receber as suas migalhas, em flamas, a pousar nas ruas aledoras de arredores.
E, foi no calor da hora, sem trocadilho, que os jornalistas e outros profissionais se reuniram e, dirigindo-se à redação da TV, se obstinariam a encerrar a edição de segunda, que bem ou mal sairia às ruas. E saiu!
Esse espírito de coragem é uma das marcas presentes na redação de O POVO, conforme lemos nos históricos ou mesmo ouvimos nos corredores nas histórias saborosas de vida contadas pelo Gutemberg ou pelo Mauro Sales. Nem sempre, entretanto, as coisas aconteciam como se queria, pois muitas foram as vezes que o jornal foi impedido de sair ou saiu sobre a pressão de obstáculos ou da intolerância, causando desabores e roendo, aos poucos, o ânimo daqueles que abraçavam o jornal. Logo nos seus primeiros anos, por exemplo, O POVO passou por querelas de foro jurídico por conta de artigos ineditoriais e por salvaguardar as suas fontes fornecedoras, além de ser perseguido politicamente pelo governo cearense por sua ação a favor da Revolução de 30, como também sofrera a censura estadonovista e, futuramente, a censura militar dos “anos de chumbo”, quando, em 1971, ao noticiar a prisão de José Vasconcelos Dantas, a Polícia Federal recolheu toda a sua edição, o que fez O POVO enviar um indignado telegrama ao, então, ministro da Justiça, Alfredo Bussaid. Foi criticado e malvisto quando estampou o anúncio comercial de Luiz Carlos Prestes, na época, exilado em Buenos Aires. Sofreu com a economia desmantelada pela quebra da bolsa em 1929, e durante longos anos, amargou a desvalorização da moeda brasileira e o alto custo dos insumos e do papel, ou, muitas vezes, a dificuldade de encontrá-los nas condições de produção do jornal, razão pela qual teve de, durante o seu percurso, criar formatos diferentes sempre que não os conseguia. No período da II Guerra Mundial, buscava papel em estados vizinhos, ou mesmo os pedia emprestado aos concorrentes – só começou a trabalhar com estoque em 1943. Pela necessidade de atualizar seu maquinário, vários foram os momentos que não pôde imprimir sua folha – poucos jornais da década de 1928 tinham uma gráfica própria. O POVO já começava com a aquisição de uma “Alauzet”, de segunda mão, que com o tempo foi substituída pela alemã “Planeta”, seguida pela rotaplana “Duplex”, posteriormente, pela rotativa MAN, trocada pela Goss – a primeira do tipo off-set –, e assim por diante, sempre comemorando a sua renovação, assim como também a compra da primeira sede-própria, na rua Senador Pompeu, 1082, cuja fachada foi desenhada por Emílio Hinko.  Duras sempre foram, mesmo quando exitosas, as campanhas em busca de assinaturas e de novos anunciantes, que consolidavam o jornal no mercado e popularizava o seu “Populares”. A distribuição também era prejudicada pelas malqueridas quedas de energia de dia inteiro, como em 10 de novembro de 1947, na época da “Light”. Não poderíamos deixar de registrar a alteração de ânimos a cada perda de um de seus líderes, como foi com Demócrito Rocha, Paulo Sarasate, Creuza Rocha, Albaniza Sarasate e, ao fim, de Demócrito Dummar.
Entretanto, curiosamente, vasculhando as memórias de O POVO, é notório perceber que, após o lamento da crise, seguiam-se as comemorações das boas novas e de grandes conquistas.
Neste domingo, a cena parecia triste, mas trazia a feliz surpresa na solidariedade das pessoas a se manifestarem por e-mails, ligações telefônicas, nas redes sociais ou mesmo nos seus portões. Pequenas declarações de reconhecimento que, o próprio fundador, no aniversário em 1941, parecia já assistir: “Temos a impressão de que o Ceará inteiro, numa edificante demonstração de solidariedade, porfia em estimular este órgão da imprensa, evoluindo em suas relações com O POVO, compreendendo-lhe a sua alta finalidade e cooperando, de maneira ativa, na realização de seus melhoramentos.”
Os 46 nomes que figuram na segunda página da edição de 7 de outubro de 2013, a de nº 28.613, têm agora uma história “cujo valor somente os que lutam podem devidamente estimar”.
E O POVO, ainda febril, vai recebendo de volta todos os seus colaboradores. Em seus olhos a temática “é de cortar coração”, o que sobra na disposição do recomeço, na força de criar e garantir a edição de amanhã, a notícia no ar, sempre presente, contando a história de todos nós para as futuras gerações. Que viva O POVO!




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