quarta-feira, 30 de outubro de 2013

"Entre Páginas, Entre Vidas", de Raymundo Netto para O POVO (30.10)

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O escritor, médico, bibliófilo, acadêmico e político Lúcio Alcântara convidou-me tal dia para escrever um conto, um poema, uma narrativa que fosse a versar sobre “marcadores de páginas”. Achei estranho, não vou mentir, mas acabei por escrever um conto que se passa no século XIX, onde um rico e obsessivo (serão todos assim) colecionador de marcadores de páginas se frustra diante da constatação de não poder de nunca possuir uma espécie única do gênero a cruzar as suas vistas na mão de um jovem bibliófila. Não sabia qual o destino do texto quando o escrevi. Não sabia, na verdade, um monte de coisas, dentre as quais, que o próprio Lúcio há muito teria, dentre outras, uma dessas coleções.
Foi em seu aniversário, cuja promoter era naturalmente a esposa Beatriz, que reuniu os amigos e os presenteou com Entre Páginas, Entre Vidas, título inusitado e poético, a ampliar a dimensão de um objeto que é, aparentemente, um acessório muito simples: o marcador de página. A obra, publicada pela Fundação Waldemar Alcântara, é um curioso livro de arte, em capa dura, onde expõe, num belíssimo e colorido projeto gráfico de Álvaro Beleza, parte de sua coleção, fotografada por Jarbas Oliveira, numa seleção de Silvia Furtado e do próprio Álvaro. Um primor visual e estético. Não poderia ser diferente.
Ubiratan Machado, jornalista carioca que prefacia a obra, deita uma afirmação de Mallarmé: “tudo que existe nasce para terminar em livro”. E a vida, sabemos, é o que recheia os livros. Quanto mais vida, mais verdade, mais sabor. Mas por falar em recheio de livro, não podemos esquecer aquele acessório tão frequente a partir do século XIX – conta-se que a Rainha Elizabeth I foi uma das primeiras a utilizar-se de marcadores pessoais –, atualmente distribuído por editoras, livrarias, museus, casas de arte, ou mesmo feitos por mãos habilidosas, em caráter artesanal, como forma de transmitir afeto àqueles cujo coração bate ao cheiro do papel que estala e cai suave como se desse as mãos no folheado primeiro de pré-leitura.
Eu mesmo já tive e tenho vários. Depois de inclinar-me no Entre Páginas..., me perguntei se seria comum esse tipo de coleção. Na verdade, comichava no próprio organizador essa dúvida. Acabou por descobrir serem bastantes os amantes de bookmarks no mundo. A Biblioteca Pública do Paraná, por exemplo, lança periodicamente coleções de marcadores, distribuídos gratuitamente a seus usuários. A Livraria Cultura os vende, com motivos diversificados e, literalmente, atrativos, pois são de imã. Aliás, nos prova o livro a variedade de gênero de marcadores: de papel, seda, palha, metal, couro, origami, etc. A extensa trajetória política e a afinidade literária de Lúcio, o fizeram viajar bastante e, nos percursos – ele não sabe precisar exatamente quando deu início à coleção –, pôs-se a guardá-los, e daí encontramos marcadores de livrarias, editoras e bibliotecas portuguesas, inglesas, norte-americanas, argentinas, chilenas, uruguaias, japonesas, dentre outros, e, obviamente, brasileiras, de épocas diferentes, sendo alguns, certamente, raridades, e outros, bastante curiosos, marcadores produzidos com finalidade de promover medicamentos, inclusive, anticoncepcionais, material de higiene, bebida alcoólicas, hotéis, produtos alimentares (sardinha, por exemplo), candidatos políticos, serviços gerais. Algumas das peças são feitas com requinte, retratando escritores e frases famosas de uma literatura elegante. O colecionador surpreende indo além, registrando peças mais simples, feitas em tipografia, em material barato, o que muito impressiona. Alguns são recentes, outros são relíquias, marcadores de couro, tecido, palitos de picolé, plástico, metal, comemorativos (efemérides), até numerados com tíquetes destacáveis para sorteio. Em sua apresentação, Lúcio expõe a sua surpresa em saber da existência de outros colecionadores, conta histórias e ainda divaga sobre a temática do fim do livro, consequente causa da extinção dos futuros marcadores que não conheceremos. Em sua pequena arqueologia marcadorística, descobriu: não está só! E não mesmo. Então, convidou algumas pessoas para se chegar com ele nessa aventura “Entre Páginas...”: Beatriz Alcântara (“O primeiro marcador”), Diogo Fontenele (“Marcador de livro do meu tempo de menino”), Giselda Medeiros (“De volta ao lar”), Natércia Pontes (“Cadernos de nijinski”), Horácio Dídimo (“O marcador de livro”), Marly Vasconcelos (“Azul”) e eu (“Marca dor”).
Na experiência de “puro afeto”, o Lúcio, agora o poeta, se explica (como se fosse possível fazê-lo em palavras): “O marcador/É pausa/É hiato/É uma vírgula/No texto [...] Achá-lo um dia/ É ver sem saber/ Um hífen de vida/ Correio de saudades.”
Beleza, também, pura!

Serviço: o livro pode ser encontrado na livraria Arte & Ciência, na av. 13 de Maio, próxima à Reitoria da UFC.



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