terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Uma carta resposta ao passado: 123 anos.



Encontramos, ontem, casualmente, na praça Fernandes Vieira, às proximidades do prédio do Liceu, a seguinte e interessante missiva, que transcrevemos na íntegra [...]:

“My petted darling,
É impossível exprimir-te o prazer que senti hoje em poder dirigir-te estas poucas linhas. Divertiste-te muito, sábado? Meu querido anjo, quando terei eu o prazer de te ter como vizinho para poder te ver o mais vezes possível? Por que não fostes ontem a Missa da Sé? Eu tenho um medo horrível que o Adolfo, querendo vingar-se de ti, não vá contar alguma história ao papai e intrigar a tua família com a minha, e então o que seria de mim se a esperança de ter-te um dia ao meu lado me fosse roubada? 
Eu tenho uma firme esperança de que com 15 anos eu serei tua noiva; que felicidade então para mim de te ter todas as noites ao meu lado! Seria melhor que teu pai me pedisse, porque sendo ele o maior amigo do papai, ele não recusaria nunca o sim.
Adeus por hoje, meu idolatrado anjo, e receba um milhão de beijos de tua querida J.

Ceará, 2 de junho de 1890.”

Como não saibamos se esta carta foi entregue ao seu ignorado destinatário ou se ficou irrespondida até hoje, aqui estamos para tentar o rabisco ligeiro de algumas linhas, endereçadas, com sentimento, ao coração dessa mulher que muito amou...

“Veneranda Senhora,
Peço-vos, humildemente, perdão pela irreverência e ousadia de haver dado lume às vossas letras, sem o vosso prévio consentimento. Assiste-me, contudo, em assim tendo feito, a atenuante do sigilo que há em tudo isso, do mistério que envolve, no anonimato quase absoluto de vossa epístola, o seu caso passional.
Desconheço-vos por completo, assim como me resta incógnito o vosso destino. Terieis, por ventura, morrido? Se viveis ainda, por certo contais agora 60 anos de idade.
Como o tempo voa!
Quando escrevestes aquela carta, não eram de prata os vossos cabelos, nem frio o sangue das vossas veias. Palpitava dentro de vós a adolescência florida de 14 primaveras e o amor cantava, como um pássaro azul, no desabrocho matinal dos vossos sonhos de ouro... ser noiva aos 15 anos!
Que belo futuro o destino vos reservava!
Mas, quem sabe o que aconteceu? Daquele dia para este, faz perto de meio século. Talvez estejais na outra vida. Talvez não. Pode ser que as esperanças de outrora se tenham transformado em linda realidade. Pode ser, também, que se hajam dissipado nos horizontes dos vossos desejos e, hoje, só vos restem viuvez ou tristes recordações de solteira.
Em qualquer das hipóteses, quem vos fala, quem vos escreve de longe, de muito longe, pela distancia que medeia entre as horas destas duas correspondências desencontradas, não sou eu, não é ele, não é ninguém, é a saudade.”

“Uma Carta de 1890”, de João Jacques (1910-1999)*,
para O POVO, em 27 de outubro de 1936.

(*) Foi funcionário da Rede Viação Cearense e do estado do Ceará, secretário de Educação da Prefeitura Municipal de Fortaleza, chefe do gabinete do presidente do Bancodo Nordeste do Brasil e diretor da Empresa Cearense de Turismo, EMCETUR.
Cronista, contista, pintor, poeta e jornalista, foi redator chefe e editorialista do jornal O POVO e um dos criadores do jornal modernista Cipó de Fogo.
Dentre suas publicações: Alma em corpo oito, 1964; A grande viagem, 1966; Uma fantasia e nove histórias reais, 1969; A canção do tempo, 1978; Contos e cantos (poesia e prosa), 1981; Galeria de honra, 1986; e Otacílio de Azevedo, 1992.
Ingressou na Academia Cearense de Letras no dia 10 de outubro de 1967, substituindo Júlio Maciel na cadeira de nº 28, cujo patrono é Mário da Silveira, sob saudação de Artur Eduardo Benevides.
Substituiu Júlio Maciel na cadeira 28, cujo patrono é Mário da Silveira.
Era membro da Associação Cearense de Imprensa, da Academia Cearense de Jornalismo e da Academia Cearense de Retórica.
Tinha 26 anos quando escreveu "Uma Carta de 1890".

Nenhum comentário:

Postar um comentário