Encontramos, ontem,
casualmente, na praça Fernandes Vieira, às proximidades do prédio do Liceu, a
seguinte e interessante missiva, que transcrevemos na íntegra [...]:
“My petted darling,
É impossível
exprimir-te o prazer que senti hoje em poder dirigir-te estas poucas linhas.
Divertiste-te muito, sábado? Meu querido anjo, quando terei eu o prazer de te ter
como vizinho para poder te ver o mais vezes possível? Por que não fostes ontem a
Missa da Sé? Eu tenho um medo horrível que o Adolfo, querendo vingar-se de ti,
não vá contar alguma história ao papai e intrigar a tua família com a minha, e
então o que seria de mim se a esperança de ter-te um dia ao meu lado me fosse
roubada?
Eu tenho uma firme esperança de que com 15 anos eu serei tua noiva;
que felicidade então para mim de te ter todas as noites ao meu lado! Seria
melhor que teu pai me pedisse, porque sendo ele o maior amigo do papai, ele não
recusaria nunca o sim.
Adeus por hoje, meu
idolatrado anjo, e receba um milhão de beijos de tua querida J.
Ceará, 2 de junho de 1890.”
Como não saibamos se
esta carta foi entregue ao seu ignorado destinatário ou se ficou irrespondida
até hoje, aqui estamos para tentar o rabisco ligeiro de algumas linhas,
endereçadas, com sentimento, ao coração dessa mulher que muito amou...
“Veneranda Senhora,
Peço-vos,
humildemente, perdão pela irreverência e ousadia de haver dado lume às vossas
letras, sem o vosso prévio consentimento. Assiste-me, contudo, em assim tendo
feito, a atenuante do sigilo que há em tudo isso, do mistério que envolve, no
anonimato quase absoluto de vossa epístola, o seu caso passional.
Desconheço-vos por
completo, assim como me resta incógnito o vosso destino. Terieis, por ventura,
morrido? Se viveis ainda, por certo contais agora 60 anos de idade.
Como o tempo voa!
Quando escrevestes
aquela carta, não eram de prata os vossos cabelos, nem frio o sangue das vossas
veias. Palpitava dentro de vós a adolescência florida de 14 primaveras e o amor
cantava, como um pássaro azul, no desabrocho matinal dos vossos sonhos de ouro...
ser noiva aos 15 anos!
Que belo futuro o
destino vos reservava!
Mas, quem sabe o que
aconteceu? Daquele dia para este, faz perto de meio século. Talvez estejais na outra
vida. Talvez não. Pode ser que as esperanças de outrora se tenham transformado
em linda realidade. Pode ser, também, que se hajam dissipado nos horizontes dos
vossos desejos e, hoje, só vos restem viuvez ou tristes recordações de
solteira.
Em qualquer das
hipóteses, quem vos fala, quem vos escreve de longe, de muito longe, pela distancia
que medeia entre as horas destas duas correspondências desencontradas, não sou
eu, não é ele, não é ninguém, é a saudade.”
“Uma Carta de 1890”, de João Jacques (1910-1999)*,
para O POVO, em 27
de outubro de 1936.
(*) Foi funcionário da Rede Viação
Cearense e do estado do Ceará, secretário de Educação da Prefeitura Municipal
de Fortaleza, chefe do gabinete do presidente do Bancodo Nordeste do Brasil e
diretor da Empresa Cearense de Turismo, EMCETUR.
Cronista, contista, pintor, poeta e
jornalista, foi redator chefe e editorialista do jornal O POVO e um dos criadores do jornal modernista Cipó de Fogo.
Dentre suas publicações: Alma em corpo oito, 1964; A grande viagem, 1966; Uma fantasia e nove histórias reais,
1969; A canção do tempo, 1978; Contos e cantos (poesia e prosa), 1981; Galeria de honra, 1986; e Otacílio de Azevedo, 1992.
Ingressou na Academia Cearense de
Letras no dia 10 de outubro de 1967, substituindo Júlio Maciel na cadeira de nº
28, cujo patrono é Mário da Silveira, sob saudação de Artur Eduardo Benevides.
Substituiu Júlio Maciel na cadeira
28, cujo patrono é Mário da Silveira.
Era membro da Associação Cearense de
Imprensa, da Academia Cearense de Jornalismo e da Academia Cearense de
Retórica.
Tinha 26 anos quando escreveu "Uma Carta de 1890".
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