quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O Grande Espetáculo (leia-se "mentira") das livrarias e dos "sucessos" literários


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Concorrência inflaciona aluguel de espaços em livrarias e reduz variedade de destaques
Duas semanas atrás, quem passasse pela Fnac da avenida Paulista ou por quatro das megastores da Saraiva em São Paulo corria o risco de esbarrar num “hobbit”, um dos pequenos seres que habitam a ficção de J.R.R. Tolkien.
Mais do que isso: poderia ouvir o homenzinho comentando seu estilo de vida, esmiuçado na autoajuda A Sabedoria do Condado, de Noble Smith, que a Novo Conceito lançou por ocasião da estreia do filme O Hobbit.
A ação exigiu da equipe de marketing da editora paulista certo jogo de cintura, na véspera do Natal, anões com talento para interpretar hobbits já estavam ocupados como ajudantes de Papai Noel em shoppings, e um grande investimento em dinheiro.
Não só pelo cachê dos atores e pela autorização das livrarias para mantê-los nas lojas, mas também para garantir a boa exposição dos livros durante a ação. Na livraria Fnac, por exemplo, manter um título 15 dias em destaque na beira de uma gôndola custa R$ 5.000.
Esse é só um exemplo recente do ponto a que chegou um procedimento comum no Brasil há uma década, mas cada vez mais concorrido: o aluguel, por parte de editoras, de espaços em livrarias para expor seus títulos.
É comum que livros destacados em gôndolas, em pilhas no chão ou nas vitrines estejam nesses lugares não por mera recomendação dos livreiros, mas porque os editores pagaram uma boa quantia para mantê-los à vista.
Com a disputa cada vez mais acirrada entre grandes editoras, esse mercado vem sofrendo reajustes muito superiores aos da inflação.
Reportagem da "Ilustrada" em 2006 informava que editoras pagavam até R$ 2.000 para expor obras por 15 dias nas lojas. O valor hoje pode chegar a R$ 10 mil, segundo a Folha apurou. Um aumento de 400%, ante menos de 40% de inflação acumulada no período, segundo o IPCA.
"Com o surgimento de grandes editoras, como a Novo Conceito e a Intrínseca, e o crescimento de outras, como a Sextante e a Companhia das Letras, o espaço ficou mais concorrido", diz Marcos Pereira, sócio da Sextante, uma das maiores do país.
"Com isso e com a profissionalização das livrarias, a exposição do livro, que era meramente uma questão de relacionamento e de gosto do livreiro pelo produto, acaba virando um negócio à parte."

Para pequenos, modelo de concorrência sufoca diversidade
A compra da histórica editora Paz e Terra pelo Grupo Record, anunciada na semana passada, foi sintomática de um mercado no qual apenas os grandes têm força para aparecer nas livrarias.
"Eu não tinha como concorrer. Não conseguia fazer meus livros serem vistos pelos leitores", afirma Marcus Gasparian, ex-dono e agora editor do selo recém-adquirido pela Record. "A Record certamente fará um trabalho melhor ao dar aos títulos o destaque eles merecem."
Para Haroldo Ceravolo, editor da Alameda e diretor da Libre, associação de editoras independentes, o aluguel de espaços em livrarias sufoca as pequenas casas e gera "pasteurização" das lojas.
"Você começa a ter só best-sellers expostos, livros muito parecidos entre si e de poucas editoras. É um tiro no pé, porque a loja perde seu papel de lugar no qual o leitor busca se informar. Isso afasta o consumidor que mais tende a frequentar as livrarias."
O fato de alguns poucos livros "roubarem" espaços de uma infinidade de outros, o Brasil publica cerca de 55 mil novos títulos por ano, acaba também interferindo no preço dos livros em geral, na avaliação de Ceravolo.
"As editoras de best-sellers investem tanto em marketing que não conseguem baixar o preço de livros que saem bem. Além disso, a existência de poucos best-sellers torna ainda mais lenta a circulação de livros das pequenas editoras, o que os encarece."
Milena Duchiade, proprietária da livraria carioca Leonardo da Vinci e crítica da "supermercadização" do segmento, lembra que livrarias que não vendem espaços acabam tendo menos margem de negociação com editoras.
"As redes negociam espaço com desconto na compra de livros dos editores, o que torna ainda mais frágil o poder de negociação das independentes", diz.

Curadoria
"As livrarias estão se profissionalizando. Além do espaço físico para comercializar o livro, como antigamente, ela hoje precisa se rentabilizar. Sem isso, a conta não fecha", diz Rodrigo Castro, diretor comercial da Cultura.
A rede da família Herz cobra até R$ 5.000 por 15 dias de exposição na vitrine, com adesivagem, e R$ 2.000 pelos "cubos", caixas de madeira afastadas das gôndolas.
"Fazemos questão de deixar clara a diferença entre o que é curadoria da loja e quais os espaços para ações de marketing, que sempre precisam antes ser aprovadas pela livraria", afirma Castro.
Para o leitor, entretanto, a distinção não é tão clara.
Editores dizem que pilhas de livros, como as do tablado central na loja principal do Conjunto Nacional, não são negociadas na Cultura, embora o sejam na Saraiva, na Fnac, na Laselva e na Travessa.
Em quase todos os casos o pagamento pode ser feito com descontos maiores na hora da compra ou consignação de títulos pelas livrarias.
Mas nenhum livreiro gosta de tratar do assunto tão abertamente. "Nós é que decidimos os destaques. O que acontece é que às vezes convidamos editoras a participarem da decisão", diz Marcílio Pousada, CEO da Saraiva.
Algumas editoras participam tanto que várias lojas se sentiram em condições de, no último ano, aumentar os preços dos espaços, limitados. Até 2011, expor por 15 dias uma pilha de livros, o chamado "metro quadrado", numa loja da Fnac custava R$ 5.000. Hoje, paga-se R$ 8.000 pelos mesmos espaço e período.
Mas nem todo destaque é pago. Segundo todos os livreiros ouvidos pela Folha, a Intrínseca há meses não precisa desembolsar nenhum centavo para garantir os montes de pilhas dos Cinquenta Tons espalhadas pelas lojas. "Estão lá porque vendem", diz Samuel Seibel, da Livraria da Vila, que não negocia espaço, apenas anúncios na sua revista mensal.
Situação diferente acontece com Morte Súbita, de J.K. Rowling. Um livreiro disse à Folha nunca ter visto investimento tão maciço quanto o que a Nova Fronteira fez.
Até a pequena Argumento foi assediada. A editora tentou comprar espaço nas cinco vitrines das duas lojas, mas a negociação não avançou.
Procurada, a Nova Fronteira não quis se manifestar. É provável, comenta-se no meio, que o contrato com a autora estipule uma parcela mínima, e alta, de marketing.
Fonte: Raquel Cozer, para Folha de São Paulo

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