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Concorrência inflaciona aluguel de espaços em livrarias e reduz variedade
de destaques
Duas semanas atrás,
quem passasse pela Fnac da avenida Paulista ou por quatro das megastores da
Saraiva em São Paulo corria o risco de esbarrar num “hobbit”, um dos pequenos
seres que habitam a ficção de J.R.R. Tolkien.
Mais do que isso:
poderia ouvir o homenzinho comentando seu estilo de vida, esmiuçado na
autoajuda A Sabedoria do Condado, de
Noble Smith, que a Novo Conceito lançou por ocasião da estreia do filme O
Hobbit.
A ação exigiu da equipe de marketing da editora
paulista certo jogo de cintura, na véspera do Natal, anões com talento para
interpretar hobbits já estavam ocupados como ajudantes de Papai Noel em
shoppings, e um grande investimento em dinheiro.
Não
só pelo cachê dos atores e pela autorização das livrarias para mantê-los nas
lojas, mas também para garantir a boa exposição dos livros durante a ação. Na livraria
Fnac, por exemplo, manter um título 15
dias em destaque na beira de uma gôndola custa R$ 5.000.
Esse
é só um exemplo recente do ponto a que chegou um procedimento comum no Brasil
há uma década, mas cada vez mais concorrido: o aluguel, por parte de editoras,
de espaços em livrarias para expor seus títulos.
É
comum que livros destacados em gôndolas, em pilhas no chão ou nas vitrines
estejam nesses lugares não por mera recomendação dos livreiros, mas porque os
editores pagaram uma boa quantia para mantê-los à vista.
Com
a disputa cada vez mais acirrada entre grandes editoras, esse mercado vem
sofrendo reajustes muito superiores aos da inflação.
Reportagem
da "Ilustrada" em 2006 informava que editoras pagavam até R$ 2.000
para expor obras por 15 dias nas lojas. O valor hoje pode chegar a R$ 10 mil,
segundo a Folha apurou. Um
aumento de 400%, ante menos de 40% de inflação acumulada no período, segundo o
IPCA.
"Com
o surgimento de grandes editoras, como a Novo
Conceito e a Intrínseca, e o
crescimento de outras, como a Sextante
e a Companhia das Letras, o espaço
ficou mais concorrido", diz Marcos Pereira, sócio da Sextante, uma das maiores do país.
"Com
isso e com a profissionalização das livrarias, a exposição do livro, que era
meramente uma questão de relacionamento e de gosto do livreiro pelo produto,
acaba virando um negócio à parte."
Para pequenos, modelo de
concorrência sufoca diversidade
A compra da histórica editora Paz e Terra pelo
Grupo Record, anunciada na semana
passada, foi sintomática de um mercado no qual apenas os grandes têm força para
aparecer nas livrarias.
"Eu não tinha como concorrer. Não conseguia
fazer meus livros serem vistos pelos leitores", afirma Marcus Gasparian,
ex-dono e agora editor do selo recém-adquirido pela Record. "A Record certamente fará um trabalho melhor ao dar
aos títulos o destaque eles merecem."
Para Haroldo Ceravolo, editor da Alameda e diretor da Libre, associação de editoras
independentes, o aluguel de espaços em
livrarias sufoca as pequenas casas e gera "pasteurização" das lojas.
"Você
começa a ter só best-sellers
expostos, livros muito parecidos entre si e de poucas editoras. É um tiro no
pé, porque a loja perde seu papel de lugar no qual o leitor busca se informar.
Isso afasta o consumidor que mais tende a frequentar as livrarias."
O
fato de alguns poucos livros "roubarem" espaços de uma infinidade de
outros, o Brasil publica cerca de 55 mil novos títulos por ano, acaba também
interferindo no preço dos livros em geral, na avaliação de Ceravolo.
"As
editoras de best-sellers investem tanto em marketing que não
conseguem baixar o preço de livros que saem bem. Além disso, a existência
de poucos best-sellers torna ainda
mais lenta a circulação de livros das pequenas editoras, o que os
encarece."
Milena
Duchiade, proprietária da livraria carioca Leonardo da Vinci e crítica da
"supermercadização" do segmento, lembra que livrarias que não vendem
espaços acabam tendo menos margem de negociação com editoras.
"As
redes negociam espaço com desconto na compra de livros dos editores, o que
torna ainda mais frágil o poder de negociação das independentes", diz.
Curadoria
"As
livrarias estão se profissionalizando. Além do espaço físico para comercializar
o livro, como antigamente, ela hoje precisa se rentabilizar. Sem isso, a conta
não fecha", diz Rodrigo Castro, diretor comercial da Cultura.
A
rede da família Herz cobra até R$ 5.000
por 15 dias de exposição na vitrine, com adesivagem, e R$ 2.000 pelos
"cubos", caixas de madeira afastadas das gôndolas.
"Fazemos
questão de deixar clara a diferença entre o que é curadoria da loja e quais os
espaços para ações de marketing, que sempre precisam antes ser aprovadas pela
livraria", afirma Castro.
Para
o leitor, entretanto, a distinção não é tão clara.
Editores
dizem que pilhas de livros, como as do tablado central na loja principal do
Conjunto Nacional, não são negociadas na Cultura, embora o sejam na Saraiva, na
Fnac, na Laselva e na Travessa.
Em
quase todos os casos o pagamento pode ser feito com descontos maiores na hora
da compra ou consignação de títulos pelas livrarias.
Mas nenhum livreiro gosta de tratar do assunto
tão abertamente. "Nós é que decidimos os destaques. O que acontece é que
às vezes convidamos editoras a participarem da decisão", diz Marcílio
Pousada, CEO da Saraiva.
Algumas
editoras participam tanto que várias lojas se sentiram em condições de, no
último ano, aumentar os preços dos espaços, limitados. Até 2011, expor por 15
dias uma pilha de livros, o chamado "metro quadrado", numa loja da
Fnac custava R$ 5.000. Hoje, paga-se R$
8.000 pelos mesmos espaço e período.
Mas
nem todo destaque é pago. Segundo todos os livreiros ouvidos pela Folha, a Intrínseca há meses não precisa desembolsar nenhum centavo para garantir
os montes de pilhas dos Cinquenta Tons
espalhadas pelas lojas. "Estão lá porque vendem", diz Samuel Seibel,
da Livraria da Vila, que não negocia espaço, apenas anúncios na sua revista
mensal.
Situação
diferente acontece com Morte Súbita,
de J.K. Rowling. Um livreiro disse à Folha nunca ter visto investimento tão
maciço quanto o que a Nova Fronteira
fez.
Até
a pequena Argumento foi assediada. A
editora tentou comprar espaço nas cinco vitrines das duas lojas, mas a negociação
não avançou.
Procurada,
a Nova Fronteira não quis se
manifestar. É provável, comenta-se no meio, que o contrato com a autora
estipule uma parcela mínima, e alta, de marketing.
Fonte: Raquel Cozer, para Folha de São Paulo
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