Nem
poeta municipal nem poeta federal, poeta de Língua Portuguesa, desses que
elevam a expressão poética da flor do Lácio ad infinitum. Em um mundo globalizado, que transformou tempo em
ouro, sexo em luxo e liberdade em utopia, a humanidade necessita de poetas que
lutem contra a pedra no caminho, que sonhem com Pasárgada, que cantem porque o
momento existe; poetas que mirem as coisas mínimas, pois quem não há de
desconfiar que não existem coisas máximas, exceto o respirar tão frágil e o
fechar dos olhos tão miúdo depois da cortina da noite?
Que
acontece quando silêncios e vozes se entretecem? A poesia. E se o poeta é da
estatura de Francisco Carvalho? A celebração. O que leva um teatro inteiro a
declamar versos? O êxtase. Nos dias 21 e 22 de maio, no IV Seminário SESC
Revelando a Literatura Cearense, celebramos os silêncios e vozes do poeta
Francisco Carvalho. Instigamos e vimos o teatro inteiro declamando poesia,
vozes de todas as idades e tons, a ala de cima, a ala de baixo, alunos,
professores, escritores, leitores e simpatizantes, todos repetiram, como em
oração, a “Canção do Irmão”: “Alguém tem de celebrar a paz/ pelos que pelejam/
Alguém tem de assumir a infância/ pelos que não sonham/ Alguém tem de rezar um
salmo/ pelos que morreram/ Alguém tem de escrever um verso/ pelos que não
amam”.
Francisco
de franciscana vaidade e fortuna crítica estelar. Que alguém ainda não
diga que poesia não se põe no púlpito. Repitamos com Carvalho esses paradoxos:
“Fazer um poema não é dizer coisas profundas. É ver as coisas como as coisas
não são”. É nessa gratuidade que reside todo o legado da poesia, desde Homero,
desde Dante, desde o primeiro fiat lux. Poeta silencioso em seu estar no
mundo, Carvalho atinge plena eloquência na sua poética, pois composta de vozes
e de silêncios, aqueles silêncios de ouro, que valorizam as palavras. Silêncios
a la Mallarmé, que dão voz aos anjos, que dão alma aos objetos.
Poética
que decanta o fracasso da palavra enquanto sublima a língua: “A aranha não tece
em vão/ sua secreta parábola/ em vão gastamos o ferro/ o ouro da nossa fala.”
Poética que discorre sobre a inutilidade da poesia enquanto pratica sua
essência: “O sentido da poesia é não ter sentido algum”. Poética que consagra o
abismo enquanto constrói a ponte: “Alguns me lembram que ainda/ existe a
possibilidade do amor./ Mas o amor não é uma saída/ o amor é um mergulho.”
Poética que desromantiza o poema para altear a voz contra o sistema: “Quebra o
teu alaúde de poeta romântico/ quebra o cristal dos teus desvarios/ e vai
semear esperança nas favelas/ de pés descalços e olhos vazios”.
Poesia
que esvoaça como o vento mas é sólida como a pedra, que esmiúça o cotidiano mas
flerta com o metafísico, que se nutre com o erudito mas desabotoa o fardão, que
decifra a esfinge mas elabora o próprio enigma. Adolfo Casais Monteiro parecia
falar de Carvalho quando escreveu que “o artista-poeta é aquele que do fundo
dos seus abismos e do alto dos seus céus nos comunica a expressão da sua
essencialidade humana”. A poesia de Francisco Carvalho diz muito quando emudece
e às vezes é impactante como as sentenças do Velho Testamento: “Perde teu olho/
mas não perde a tua liberdade”.
Nobre
poeta de carvalho e nuvem, que floresce a cada livro para ofertar a todos
o imenso banquete da poesia. Nos seus oitenta e cinco anos, celebraremos os
séculos que se derramarão sob o porvir dos teus poemas. Nessa pastoral dos dias
maduros, sob a rosa dos minutos que se alongam, repetiremos com você que “ser
poeta é repartir o pão com os humilhados e ofendidos, ser poeta é fingir que o
sonho é real e acreditar que a pedra pode se transformar em pássaro”.
Carlos
Vazconcelos,
escritor, autor de O Mundo dos Vivos, coordenador e apresentador do projeto "Bazar das Letras do
SESC" e mestrando em Literatura pela Universidade Federal do Ceará.
Multimídia
Para ver -
Confira, no canal do portal O POVO Online no youtube
(http://www.youtube.com/portalopovoonline), a série de vídeos com o ator
Ricardo Guilherme e os jornalistas Demitri Túlio (foto), Ivonilo Praciano e
Michel Victor fazendo leituras dramáticas dos poemas de Francisco Carvalho.
Para ver - No programa Viva Domingo, da TV O POVO (UHF
48, NET 23 e TV Show 11), o historiador da literatura Humberto Pinheiro fala
sobre a obra de Francisco Carvalho. O programa vai ao ar nesse domingo às
20h30min. Reprise amanhã às 7h.
Na verdade o 'ensaio poético' foi publicado n'O Povo com título diferente; o original era 'Silêncios e Vozes de Francisco Carvalho, Poeta de Concha e Rumor'.
ResponderExcluirAbraço, Raymundo Netto e leitores deste dinâmico blogue.